Indignai-vos! Uma resenha da obra que inspirou manifestações populares na Europa
Em meio aos abalos econômicos com reflexos na constituição política da União Européia, o chamado de Stéphane Hessel à juventude francesa surtiu efeito mais proeminente na Espanha.
Tendo sua edição na França sido publicada em dezembro de 2010, a primeira em espanhol em fevereiro de 2011, só no mês seguinte foram três reimpressões nesta língua já tendo vendido mais de 600 mil exemplares.
O fenômeno editorial que parece ter despertado muitos dos manifestantes da Praça do Sol é uma convocação contra a indiferença. No prólogo, José Luis Sampedro esclarece que a indignação nasce da vontade de nos comprometermos com a história. O chamado contido na obra, de rápida leitura e demoradas reflexões, é para que as pessoas despertem da inércia individualista e resistam, retomando aspirações coletivas.
A partir de sua trajetória na resistência francesa durante a segunda guerra mundial, Hessel demonstra como as manobras realizadas no sistema financeiro internacional têm impactado diretamente conquistas sociais históricas. O autor aponta que as reformas estatais em curso no século XXI estão provocando perdas incomensuráveis na garantia de direitos alcançada no decorrer do século anterior.
Para ele, os avanços da 2ª metade do século XX estão sendo seguidos de retrocessos visíveis na década que inaugurou os anos 2000. A crise econômica que arrebatou inúmeros países recentemente não trouxe uma nova regulamentação para a circulação de capitais especulativos, nem sequer desbancou a supremacia de banqueiros. Hessel diz que ao menos poderia ter provocado o início de outra fase de desenvolvimento, mas isso não ocorreu.
Sua análise de conjuntura também fala do progresso nos acordos internacionais, por exemplo, que pactuaram os Objetivos do Milênio, mas não tarda em sinalizar a decorrocada de convenções internacionais no que tange a efetivação de seus compromissos. O caso típico são os fracassos seguidos no que tange às questões ambientais, que tem no encontro de Copenhagen seu ápice da ineficiência, mas que não levou a mudanças na política.
O exame da situação, porém, não parece ser o foco desta obra. Embora traga um relato da situação da faixa de Gaza, sua contribuição não parece ser a respeito da questão palestina ou mesmo da maneira como os sistemas político e econômico mundial se mantêm. O autor usa esses assuntos para demonstrar o que lhe toca, cabendo ao leitor reconhecer em sua realidade os motivos para indignar-se.
Trata-se de um manifesto pelo direito à indignação. Diz ele: “Olhem ao seu redor e encontrarão fatos concretos que justifiquem sua indignação” (HESSEL, 2011: 35). A indignação é tratada como uma faculdade daqueles que não se aguentam no estado de indiferença. Muito procurado por quem estuda movimentos sociais, o motivo para o engajamento cívico é explicitado de maneira simples e direta neste livro: a indignação.
A inquietação com o que não lhe parece apropriado move uma pessoa a se envolver com uma causa coletiva. Assim, o convite é à auto-responsabilização por meio da indignação, pois esta fortalece o sujeito a assumir seu papel histórico. Hessel embasa suas convicções no contraste entre duas visões de história uma que percebe o sentido de liberdade no curso dos acontecimentos, fruto da aproximação com Hegel, e outra que traz a eminência catastrófica como forma de observação do fluxo histórico, advinda de Walter Benjamin.
A resistência a qual são instigadas as pessoas que lêem este livro é a pacífica. Mesmo que o terrorismo se justifique também em Sartre, Hessel traz esta referência para reconhecer que o mundo de violência em que vivemos será superado com a não-violência. Dá o exemplo dos habitantes de uma cidade da Cisjordânia que todas as sextas-feiras vão ao muro que os isola do resto do planeta e sem empunhar nem pedras contra o exército israelense fazem seu protesto que foi chamado de terrorismo não-violento.
Como Galeano, o autor vê que o mundo só pode estar de pernas para o ar quando a resistência pacífica é chamada de terrorismo não-violento. Com estes e outros exemplos está compartilhado um olhar certeiro para contradições que perpassam a vida social contemporânea. Reconhecendo-se um otimista natural, Hessel fala que tudo que é desejável é possível. E, por isso, esclarece que “o por vir pertence à não-violência” (HESSEL, 2011: 41).
Se a primavera árabe não pode ser simplesmente pacífica, talvez tenha sido pela exasperação imposta pelas ditaduras à população daquela região do planeta. As manisfetações que rechassam outros totalitarismos ainda existentes se fazem de maneira singular como é a cultura local na Grécia, na Islândia, em Portugal ou na Espanha. Fato é que o espírito de uma época que se cansa de indiferença e se idgna, como conclama Hessel, parece estar nascendo.
O livro é útil não apenas para compreender o que passa em outras realidades. Afinal, no Brasil, onde a festa nos constiui as expressões de insatisfação também estão presentes. Ou estamos desatentos à indignação que inspira participantes de churrascos da gente diferenciada, de marchas de vadias, ou atos pela liberdade, entre twittaços, mamaços e outras tantas manifestações latentes?
O senhor que aos 93 anos, com a lucidez que lhe trouxe a vivência pessoal do ativismo paramilitar à diplomacia dos direitos humanos, encerra seu chamamento unindo-se a seus pares do Conselho Nacional de Resistência para dizer com afeto àqueles que farão o século XXI: “Criar é Resistir. Resistir é Criar” (pg. 48). Parece que alguns já escutaram o chamado, vale atenção ao porvir que faremos e pelo qual somos responsáveis.
Por Clóvis Henrique Leite de Souza - mestre em ciência política pela Universidade de Brasília e pesquisador associado ao Instituto de Estudos Socieconômicos – INESC e ao Laboratório de Conversas – Labcon/UCB.
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