segunda-feira, 3 de outubro de 2016

HEDONISMO EPICURISTA E A VERDADEIRA SABEDORIA


Por Fernando Nogueira da Costa

Segundo José Américo Motta Pessanha, na Introdução do volume da Coleção Os Pensadores dedicado à obra de Epicuro, com sua concepção materialista da realidade, Epicuro pretende libertar o homem dos dois temores que o impediriam de encontrar a felicidade:

1 - o medo dos deuses e
2 - o temor da morte.

Os deuses existem, afirma Epicuro, mas seriam seres perfeitos que não se misturam às imperfeições e às vicissitudes da vida humana. Os deuses viveriam em perfeita serenidade nos espaços que separam os mundos.

Suas perfeições supremas constituem o ideal a que aspiram os sábios e deve ser objeto de culto desinteressado. Não teria sentido adorá-los de maneira servil, temerosa e interesseira, pois eles desconhecem o mundo imperfeito dos homens e de modo algum atuam sobre ele.

Quanto à morte, não há também por que temê-la. Ela não seria mais que a dissolução do aglomerado de átomos que constitui o corpo e a alma. Amorte, portanto, não existe enquanto o homem vive e este não existe mais quando ela sobrevém.

A libertação do temor dos deuses e da morte não basta para conduzir o homem à verdadeira felicidade. É necessário ainda que ele se liberte:

1 - da ânsia incontrolada de prazeres e
2 - do incontido pesar pelas dores.

A luminosidade racional da doutrina atomista permitiria ao homem:

1 - afastar os sombrios temores que lhe intranquilizavam a alma,
2 - bem como reconhecer-se como um ser perfeitamente integrado na natureza universal.

Enquanto ser natural, o homem — como os outros animais — pauta sua vida, espontaneamente:

1 - pela procura do prazer e
2 - pela fuga da dor.

Mas a verdadeira sabedoria está além desse comportamento natural e espontâneo: sábio é reconhecer que há diferentes tipos de prazer, para saber selecioná-los e dosá-los. O hedonismo epicurista reconhece que o ponto de partida para a felicidade está na satisfação dos desejos físicos, naturais.

Mas essa satisfação, para não acarretar sofrimentos, deve ser contida, reduzindo-se ao estritamente necessário: sábio é aquele que, mesmo com poucos bens de subsistência, alcança muita felicidade.

Epicuro considera que todo prazer é basicamente um prazer corpóreo. Mas o prazer que o homem deve buscar não é o da pura satisfação física imediata e mutável, “o prazer do movimento“.

Para Epicuro, o prazer que deve nortear a conduta humana — o prazer com dimensão ética e não apenas natural — é “o prazer do repouso”, constituído pela ausência de perturbação e pela ausência de dor. Ambas podem ser alcançadas na medida em que o homem, através doautodomínio, busque a autossuficiência que o torne um ser que tem em si mesmo sua própria lei, um ser autárquico, capaz de ser feliz e sereno independentemente das circunstâncias.

Para tanto, deve renunciar aos prazeres que possam ser fontes de aflição e aceitar a dor quando ela é portadora de um bem futuro. Este nunca deve ser confundido com a suposta vida depois da morte.

É necessário, portanto, fazer um cálculo utilitário dos prazeres e das dores possíveis, como primeiro passo para a conquista da felicidade. Epicuro, porém, reconhece que as circunstâncias podem impor a dor como um fato inelutável.

Sabedoria será então utilizar a liberdade interior e, através do artifício que essa liberdade permite, permanecer sereno e feliz. À dor presente, ensina Epicuro, pode se escapar:

1 - por meio da lembrança dos prazeres passados ou
2 - pela expectativa de prazeres futuros.

Interiormente, o homem é livre para jogar, à vontade, com as imagens que seriam resquícios corpóreos (formados de átomos mais tênues) de suas sensações.

Epicuro — ele próprio um homem doente e vítima de terríveis sofrimentos físicos — teria dado a demonstração dessa técnica interior de evasão, capaz de permitir ao homem enfrentar serenamente as mais adversas circunstâncias, inclusive uma eventual ausência de liberdade política.

Seu hedonismo altamente espiritualizado, que fazia da contemplação intelectual e das delícias da amizade os mais elevados prazeres, legou às éticas posteriores uma lição que nunca mais será esquecida: a de que o homem também pode se sustentar de recordações e de esperanças, quando o “tornar-se presente” lhe aflige.

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