Em outubro, Aniely Silva entrou em contato conosco para divulgarmos a cartilha: Por que discutir gênero na escola? (pdf). Organizada pela ONG Ação Educativa e pela JADIG – Jovens Agentes pela igualdade de gênero na escola.
Achamos a iniciativa tão importante num momento como o atual — com o conservadorismo e o fundamentalismo ganhando as narrativas, combatendo a falácia chamada “ideologia de gênero” e com os direitos humanos ameaçados — que fizemos uma pequena entrevista com Aniely. A principal ferramenta de mudança para o fim da violência contra a mulher é a educação, por isso é imprescindível debater gênero nas escolas.
Aniely Silva trabalha como jovem aprendiz na ONG Ação Educativa. A ONG promove formações sobre direito à educação para jovens de periferia e no início do ano, promoveu uma formação sobre Direito à Igualdade de Gênero na Escola. Ao fim do curso, foi desenvolvida a cartilha: POR QUE DISCUTIR GÊNERO NA ESCOLA? – Em resposta ao barramento da palavra Gênero nos planos nacionais de educação. Totalmente desenvolvida por mulheres negras moradoras de Sapopemba e Itaquera, a cartilha traz textos e quadrinhos para discutir e debater a importância da palavra gênero no nosso cotidiano, a questão do racismo e os padrões impostos pela sociedade, a objetificação do corpo das mulheres e até como o machismo afeta os homens.
1. Como foi o processo de formação para o desenvolvimento da cartilha? Como você atuou nele e quais benefícios pessoais teve?
O processo de desenvolvimento da cartilha durou cerca de 4 meses. Nos primeiros dois meses, nos aprofundamos em estudar sobre os tipos de feminismos, suas interseccionalidades e suas especificidades, para conseguirmos definir qual linha de feminismo seguir. Após esse processo, decidimos o que queremos levar às pessoas, de acordo com nosso raciocínio e quem queríamos que se sentisse tocado ao ler nosso material.
Decidimos fazer um material com uma linguagem fácil, com imagens, bem colorido, pois queríamos conversar com os jovens, que ainda estão em escolas e que não sabem muito bem como lidar com as situações que passam todos os dias e que podem afetar suas vidas para sempre.
Trazemos questões de brigas, amores, adolescência, gênero, sexualidade, racismo, leis, indicações de filmes, leituras e muito mais. Todos os textos são de autoria nossa, baseado em leituras, filmes e debates que vimos durante nossas formações. Nos últimos dois meses, montamos os textos, decidimos o que ia e o que não ia pra cartilha, contratamos uma ilustradora para passar nossas ideias pra ela, e planejamos o evento de lançamento da cartilha, que aconteceu dia 25 de junho, no CEU Sapopemba.
Os benefícios que tivemos durante a formação, foram mais conhecimento e mais engajamento na luta. Tivemos o prazer de estar pessoalmente com a Djamila Ribeiro num bate papo de mulheres negras. Nos conscientizamos de feminismos que nós nem imaginávamos, fizemos entrevistas com pessoas incríveis e desenvolvemos tudo aquilo que estava na nossa cabeça, em uma pequena cartilha, que desde então, só nos traz orgulho.
2. Entre seus colegas de escola há interesse em debater as questões relativas a gênero?
Gênero já é discutido na escola. Nós já tínhamos certeza disso, antes mesmo de começar a estudar para desenvolver esse material. Só que, gênero é tratado pelo lado mais conservador possível, e todas nós trouxemos questões que aconteceram conosco na escola, que conversam com a discussão. Desde “fala baixo”, “senta direito”, “fecha as pernas”, como “seja homem”, “homem não chora” e etc. E essas “normas” de gênero, são aceitas pelas pessoas sem serem questionadas. Queríamos aflorar isso, queríamos que os jovens questionassem isso. Participamos no ano passado, do processo de ocupações das escolas, onde os alunos tiveram voz para falar tudo o que queriam sem serem reprimidos. O tema sexualidade foi um dos mais polêmicos, pois a escola em que eu estudei e que ocupamos EE ARTHUR CHAGAS JUNIOR, tinha uma gestão evangélica que reprimia muito pessoas LGBTs e o tema veio a tona durante as ocupações. As escolas também são muito violentas, em questões de machismo e racismo, e tentamos trazer da forma mais leve possível a gravidade desses assuntos e a importância da conscientização dos jovens.
3. Por que você acha que as pessoas tem tanto receio e querem proibir a discussão de gênero nas escolas?
Como eu disse acima, a discussão de gênero já acontece nas escolas, mas de um modo excludente e preconceituoso. Sabemos também, que vivemos em um país machista, racista, homofóbico, que vem de um sistema patriarcal. Esse sistema, não gosta de minorias, de pessoas que não se encaixam nos seus padrões e ensinam e incentivam as pessoas a serem preconceituosas. Também temos um sistema conservador e infelizmente uma bancada conservadora na política, que querem controlar as pessoas de acordo com seus princípios religiosos. Isso afeta a vida de muita gente, negativamente. A cartilha vem pra politizar e informar a importância do debate nas salas de aula. Espero que a leitura e a conscientização das pessoas seja tão incrível como foi pra nós durante a construção do material.
[+] Sobre o assunto:
[+] Projeto Gênero e Educação: fortalecendo uma agenda para as políticas educacionais tem por objeto fortalecer a agenda da igualdade de gênero nas políticas educacionais.
[+] Uma introdução ao debate de gênero na educação (ou por que superar a falácia da “ideologia de gênero”). Este texto é uma adaptação de um capítulo originalmente intitulado “Meninas e meninos na escola”, de autoria de Cinthia Torres Toledo, Fábio Hoffmann Pereira e Adriano Souza Senkevics, publicado no Caderno de Debates do NAAPA (2016), da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
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