O jornalista Ken Schwencke, do Los Angeles Times, estava dormindo quando, às 6h25 do dia 17 de março, um terremoto sacudiu a Costa Oeste dos EUA. Com o susto, correu para o computador e descobriu que Quakebot, um algoritmo que ele criou, já havia escrito um texto sobre o assunto. O jornal deu um furo de reportagem noticiando os detalhes do tremor antes de todos os outros e fez a fama do algoritmo, que se conecta automaticamente com o Serviço Geológico dos EUA e escreve pequenas notas com os dados.
Mas, afinal, o que é um algoritmo e por que se fala cada vez mais deles? Na matemática, é todo conjunto de regras e operações para fazer cálculos, realizar tarefas ou solucionar problemas. Vem do sobrenome do matemático persa Mohammed al-Khuwarizmi, o pai da álgebra, que viveu no século 9. “É uma espécie de receita culinária para números”, explica Viktor Mayer-Schönberger, professor na Universidade de Oxford. “Por mais complexo, não passa de uma fórmula seguindo regras predefinidas.”
Com o crescimento rápido do acesso a informações digitais, algoritmos como o Quakebot estão por toda a parte. E não falamos apenas dos mais conhecidos, como o algoritmo de pesquisa do Google, ou os da Amazon, Netflix e Pandora, que recomendam livros, filmes e músicas. Já temos algoritmos que detectam infecções em recém-nascidos, evitam engarrafamentos e negociam ações (milhões delas). Veja a seguir áreas nas quais esses programas já estão trazendo grandes avanços e grandes preocupações.
VEÍCULOS > DOS CORREIOS À F-1
Quem comanda o carro autônomo experimental do Google é um algoritmo. Também são algoritmos por trás dos projetos semelhantes da Mercedes, Toyota e Audi mostrados em janeiro na feira de eletrônicos CES, nos EUA. Carros que, sem motorista, são capazes de fazer trajetos que passam por pedestres, ciclistas e semáforos e não causaam acidentes. Durante a feira, as fabricantes estimaram que ainda leva uma década para vermos modelos assim sendo comercializados. Isso significa que os veículos ainda ficam um bom tempo longe do domínio dos algoritmos, certo? Errado. Esses programas já estão rodando por aí faz tempo, numa via de mão única e sem volta.
Um exemplo é o serviço postal UPS, que entrega 16 milhões de encomendas por dia. Desde 2003, são os algoritmos que definem a rota dos quase 100 mil carros, vans e motos que compõem a frota. “Por ano, economizamos 8,5 milhões de litros de combustível e deixamos de emitir 85 mil toneladas de CO2”, calcula Jack Levis, diretor de Gerência de Processos da UPS. Os algoritmos também ajudam a empresa a prever problemas mecânicos. Sensores instalados nos carros de entrega captam dados como ruídos do veículo que alimentam um sistema de previsão de quando as peças devem falhar. Em vez de fazer manutenção preventiva (o que acabava trocando algumas peças que poderiam durar muito mais), a UPS identifica o momento preciso antes da falha, o que, dizem eles, acaba por economizar milhões.
A Fórmula 1 é outro campo onde os algoritmos aceleram. Simon Williams, sócio-fundador da empresa de dados britância QuantumBlack, defende que uma escuderia campeã precisa de boas fórmulas matemáticas. Sua companhia trabalha desde 2011 calculando em tempo real fatores como desgaste de pneus, janelas de pit-stop e estratégia de todos os pilotos. Esses dados geram gráficos para as equipes sobre o melhor momento de parada, qual pneu colocar e qual estratégia adotar de acordo com todos os fatores.
Seguradoras também já usam sensores acoplados aos carros para alimentar fórmulas que interferem no cálculo do valor do seguro de acordo com o comportamento do condutor (veja acima como funciona). “No final das contas, quem dirige melhor paga menos”, diz Flávio Faggion Jr, diretor da Siscorp, empresa que atua no ramo. O sistema, que cresce na Europa e nos EUA, está chegando ao Brasil numa apólice da companhia Porto Seguro voltada a jovens. Após instalar o rastreador da empresa, o jovem ganha 30% de desconto se dirigir abaixo de 90 km/h e não pegar o carro de madrugada por mais de 5% do tempo.
Num futuro não tão distante, algoritmos podem até evitar congestionamentos, como mostra pesquisa de 2013 do professor Berthold Horn, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele criou um sistema que, através de sensores a laser e câmeras, monitora velocidade e distância do veículo à frente e atrás. “O algoritmo reage de maneira suave a mudanças bruscas de velocidade. Esse tipo de sistema reduz o número de batidas e engarrafamentos”, afirma. O aparelho, sem previsão de lançamento, seria útil principalmente para evitar aqueles congestionamentos que começam sem um motivo aparente.
(Foto: Revista Galileu)
CINEMA > FILMES SOB MEDIDA
Antes de chegar às telonas, boa parte dos roteiros de Hollywood passa pelas mãos de Nick Meaney. Meaney não é agente, cineasta ou produtor. É diretor da Epagogix, empresa britânica que prevê o sucesso de um filme baseado na minuciosa análise de seu roteiro. Em 2006, Meaney submeteu o script de Bem-Vindo ao Jogo à avaliação do algoritmo que ele tinha acabado de criar. O filme tinha tudo para ser sucesso: um roteirista premiado, Drew Barrymore no elenco e o fato de ser rodado em Las Vegas. Bem, segundo as previsões do algoritmo da Epagogix, ele não arrecadaria mais do que US$ 7 milhões — baita prejuízo para um orçamento de US$ 50 milhões. Não deu outra: a produção faturou US$ 6 milhões. “Aponto os pontos fracos. Se o produtor vai mexer no roteiro ou suspender a produção, a decisão é dele”, explica Meaney.
SUCESSO E FRACASSO: Os algoritmos previram tanto a aceitação da série House of Cards quanto a bilheteria pífia de Bem-Vindo ao Jogo (Foto: Divulgação)
Não é mágica. O serviço cruza dados de milhares de variáveis, como elenco, presença de vilões fortes e locação, quantificadas no roteiro. A fórmula analisa como essas variáveis se combinam e o quanto, em produções anteriores, filmes semelhantes arrecadaram. O pesquisador Bernardo Huberman, da HP Labs, faz algo parecido cruzando dados de tuítes sobre filmes na semana anterior ao lançamento. Para Querido John, previu uma arrecadação de US$ 30,5 milhões na primeira semana. O filme arrecadou US$ 30,7 milhões. “Através do número de tuítes, você prevê como um produto vai se sair no mercado”, diz Huberman.
Os sistemas enfrentam críticas. A série House of Cards, também um sucesso com roteiro “testado antes” por algoritmos, tem sido um dos alvos delas. Em texto no site Salon, o crítico Andrew Leonard questiona se a estratégia não acabará com a diversidade das obras de arte, fazendo que só seja filmado o que os algoritmos indicam. Para ele, isso faria de nós “fantoches estúpidos”.
(Foto: Revista Galileu)
JORNALISMO > UMA MÁQUINA ESCREVEU ISTO
O título ao lado é falso, mas pode se tornar verdade em pouco tempo. “Dentro de 15 anos, 90% dos textos da imprensa serão escritos por computadores”, prevê Kristian Hammond, CEO da Narrative Science. A empresa, sediada em Chicago, já produz notas jornalísticas a partir de dados recolhidos na internet por algoritmos, sem interferência humana — uma fórmula da companhia já publica notícias sobre queda ou alta de ações automaticamente no site da Forbes, por exemplo. A intenção é que o algoritmo faça o trabalho mais mecânico para que jornalistas tenham tempo de entrevistar, checar fontes e correr atrás de “furos”. Por aqui, a PUC-RJ desenvolveu um software que ajuda repórteres do site globoesporte.com a selecionar aspectos relevantes do jogo e, a partir deles, sugere enfoques para a reportagem. Exemplos disso são textos sobre o jogo com mais faltas do campeonato brasileiro e outro sobre o jogador que bateu o recorde de infrações numa única partida, ambos sugeridos pelo algoritmo. “Eles produzem matérias simples, sem análise ou interpretação”, diz Daniel Schwabe, da PUC-RJ.
(Foto: Revista Galileu)
RELACIONAMENTO > CUPIDO ELETRÔNICO
Pode um algoritmo dizer se o seu relacionamento vai funcionar? O site OkCupid cruza respostas de centenas de questões como “as mulheres devem manter as pernas depiladas?” e “quantas vezes ao dia escova os dentes?” para te indicar a pessoa que mais se aproxima do par perfeito. O algoritmo, feito por quatro matemáticos de Harvard, considera as respostas do usuário, as que esse usuário espera de seu “candidato” e a nota de importância que ele dá às questões — método copiado por outros sites. Mas, aqui entre nós, esses serviços não morrem de amores pelo rigor científico. “Até hoje, nenhum submeteu seus métodos ao crivo de pesquisadores. Dizem que o remédio faz bem, mas não revelam o que há dentro”, critica o psicólogo Harry Reis, da Universidade de Rochester.
(Foto: Revista Galileu)
MEDICINA > DR. HOUSE ROBÔ
O britânico Max Little, professor da Universidade de Oxford, descobriu que poderia diagnosticar sintomas iniciais do Parkinson através de uma simples ligação telefônica. Após gravar 30 segundos de fala, o algoritmo analisa irregularidades na voz, como tremor e instabilidade da língua e dá o diagnóstico — com 99% de acerto, diz.
O algoritmo faz parte de uma tendência de diagnósticos por correlações. Um dos expoentes disso é uma parceria entre a IBM e a Dra. Carolyn McGregor, da Universidade de Ontário (Canadá). Seu algoritmo diagnostica sepse neonatal tardia, uma das principais causas de óbito entre recém-nascidos, antes de os primeiros sintomas aparecerem. O programa analisa diferentes fluxos de dados em tempo real (respiração, batimentos cardíacos, temperatura etc.) e identifica correlações não perceptíveis aos médicos. “Quanto maior a redução na frequência cardiorrespiratória, mais infecção”, diz Carolyn. Algoritmos já são usados também, inclusive no Brasil, para analisar raios X, tomografias e ressonâncias. Eles comparam novos exames com anteriores e detectam mudanças nas imagens, encontrando padrões que passam batido por humanos. A máquina norte-americana MED-SEG, por exemplo, usa um algoritmo de imagem da Nasa para apontar essas anormalidades.
(Foto: Revista Galileu)
AÇÕES > AS FÓRMULAS DA BOLSA
Em 10 de dezembro de 2010, o russo Sergey Aleynikov foi condenado a oito anos de prisão. Seu crime? Roubar um algoritmo. Ex-programador do banco de investimentos Goldman Sachs, ele foi acusado de furtar um código usado nas transações de alta frequência (HFTs, na sigla em inglês) de Wall Street. Isso porque ele recebia US$ 1,1 milhão por ano.
Em geral, essas transações vêm de softwares que preveem alterações quase imediatas no preço das ações e compram e vendem em microssegundos (veja mais ao lado). Se o objetivo é adquirir papéis da Petrobras a R$ 34,20 e vendê-los a R$ 34,25, tem de ser rápido no gatilho. E eles são. “Um algoritmo alcança velocidade muito superior. Caso ocorra um erro, ele vai tomar proporções bem maiores também”, alerta Rogério Paiva, sócio-diretor da BLK Sistemas Financeiros. Ele cita o caso do “flash crash” de 2010, quando o índice Dow Jones despencou 1.000 pontos em 20 minutos por conta de um algoritmo. Em outro problema recente, de 2013, algoritmos que interpretaram um tuíte errado levaram a um tombo na bolsa estimado em US$ 200 bilhões em apenas três minutos (entenda abaixo).
Essas grandes perdas ocorrem porque as transações ultrarrápidas por algoritmos não são mais um ponto fora da curva. Segundo estimativa da consultora Tabb, a operação já responde por 50% de todo o volume negociado nos EUA, 40% no Japão e 30% na Europa. No Brasil, representa 10% da movimentação da Bovespa. Sócio-fundador da Trader Gráfico, Carlos Martins afirma que as vantagens que os algoritmos levam sobre os operadores de carne e osso são incontáveis. “O mercado de ações exige disciplina, dedicação e sangue frio. Ao contrário dos humanos, os algoritmos trabalham 24 horas por dia, fazem sempre a mesma coisa, sem fugir de regras, e não têm medo de operar”, compara.
(Foto: Revista Galileu)
(Foto: Revista Galileu)
ENTREVISTA: SEAN GOURLEY > ELES NOS SUBSTITUIRÃO
Criador de algoritmos e consultor, Gourley prevê que eles trarão mais desigualdade
(Foto: Revista Galileu)
O que os algoritmos trazem de bom e ruim?
Eles podem fazer coisas simples com precisão, rapidez e de forma barata. Já os humanos são tendenciosos, caros e propensos a cometer erros. Mas algoritmos também são primitivos em suas capacidades cognitivas.
Todos seremos controlados por eles?
As finanças, uma das maiores indústrias globais, já são controladas por algoritmos. Governos estão lutando para descobrir como regulá-los e reaver o controle de volta — o que pode ser uma batalha perdida. Agora que os algoritmos aprenderam a se aproximar da escrita utilizando processos estatísticos, vão ler mais rápido do que nós e dominar áreas do conhecimento, como o Direito, onde a leitura é fundamental. Mas humanos e algoritmos unirão forças para resolver os problemas mais difíceis. Chamo isso de “inteligência aumentada”. O único problema é que essa inteligência não deverá ser distribuída igualitariamente. Para piorar, muitos dos postos de trabalho hoje ocupados por pessoas da classe média acabarão ficando com algoritmos.
Correlações matemáticas já resolvem problemas sem identificar o porquê deles. Seria o fim da teoria?
Acho que o [Chris] Anderson exagerou quando defendeu isso [na revista Wired]. No Google, por exemplo, eles tentam determinar o tom de azul perfeito para o link do AdWords, executam milhões de testes sem saber por que essa é a cor certa, e sabem que funciona. Mas eles não estão tentando mudar o mundo. Em situações de conflito, política ou terrorismo você precisa de uma teoria. Noto isso nas redes sociais. Começamos a otimizar algoritmos para mostrar a informação que está de acordo com nossas crenças. Só mostramos a amigos que gostam das informações que compartilhamos. Nos movemos em uma bolha gerada por algoritmos, e não sabemos como eles tomam as decisões. Precisamos ter mais controle. Precisamos de uma teoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário