terça-feira, 18 de julho de 2017

A MATEMÁTICA COMO LINGUAGEM: UM OLHAR FILOSÓFICO

Por Luiz Gustavo Alves Silva

O filósofo e matemático Bertrand Russell. Créditos: Howard Coster.

Antes de discutirmos a Matemática como uma linguagem, é preciso nos questionar sobre o que são alguns elementos básicos da Matemática. Você já se perguntou o que é “número”? Se alguém lhe perguntasse sobre o que é o “número dois”, o que você responderia? Você já viu um “número dois” andando por aí? Provavelmente você tentaria explicar fazendo uma associação com alguma coleção de dois objetos. Então, talvez o “número dois” não exista por si só e não tenha um significado isolado. Talvez os números sejam apenas ideias abstratas que usamos para expressar quantidades de objetos.

Basicamente, uma das ideias de “número” para a atual Filosofia da Matemática, compreende “número” como algo que caracteriza uma classe de classes das quais possuem um mesmo número de termos. Por exemplo, a ideia do número dois atribui a propriedade que caracteriza a todos os infinitos conjuntos de duplas. Mas ao mesmo tempo, é necessário especificar como dizer que dois conjuntos tem o mesmo número de termos, sem que para isso se use o termo “número”, pois afinal se quer definir o que é “número”. Contornamos isso a partir da ideia de um-para-um, assim, se dois conjuntos possuem o mesmo número de termos, podemos expressar isso dizendo que para cada termo de um conjunto haverá uma correspondência um-para-um no outro conjunto.

Por outro lado, e se alguém lhe perguntasse o que é um círculo? O que você responderia? Já viu algum círculo rolando por aí? Por mais que você tente explicar o que é um círculo e, que para isso, faça o uso de objetos com forma circular, mesmo assim, esses objetos não são círculos! Assim, uma mesa com tampo redondo e razoavelmente plano, também não é um círculo – ela apenas nos representa a “ideia” do que seja um círculo. Nesse sentido, os objetos da geometria só possuem definições precisas no campo dos conceitos abstratos e idealizados como o ponto, a reta e o plano.

Mas então, qual é o propósito prático da Matemática? A essa pergunta já surgiram várias tentativas de resposta ao longo da história da humanidade e não será neste breve texto que tentaremos responder. Aqui nos limitaremos apenas a analisar a proposta de que a Matemática fornece a linguagem precisa para descrever os fenômenos da natureza.

Certa vez, o filósofo e cientista italiano Galileu Galilei (1564-1642) disse:

“A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo”

Não vamos querer entrar aqui na discussão sobre a existência ou não existência de um “Deus”, mas vamos tentar analisar o que Galileu quis dizer. Dizer que a Matemática é o alfabeto com o qual foi escrito o Universo é uma metáfora que põe a Matemática numa posição de linguagem.

Quando os cientistas aplicam o Método Científico para tentar entender o funcionamento das leis do Universo, eles estão tentando compreender os padrões comportamentais que a natureza apresenta. Um fenômeno físico, por exemplo, se analisado friamente, aplicando todas as etapas do Método, geralmente apresentará determinados tipos de padrões – algo que possa vir a ser previsto em uma Teoria Científica.

Por exemplo, quando Einstein propôs que energia e massa se relacionam por meio da equação “E=mc2”, ele modelou matematicamente um comportamento padrão que pode ser observado na natureza. Este modelo expressa com precisão algo que pode ser testado e inclusive prevê resultados de experimentos futuros.

Mas agora voltemos à ideia das abstrações matemáticas. Mesmo que você tenha dificuldades em definir os objetos da Matemática, essas idealizações permitem que sejam expressos com nitidez e precisão os fenômenos estudados pelas ciências naturais. Não é atoa então que a linguagem matemática contenha elementos, que mesmo abstratos, fornecem idealizações gerais para objetos do mundo real. É fascinante que um círculo não represente apenas um único objeto, mas sim uma infinita família de objetos e, o mesmo vale para o “número dois” que caracteriza uma infinidade de duplas ou o “número três” com os trios, e assim por diante.

No entanto, vale mencionar aqui que mesmo os números, tal como os entendemos hoje, mesmo que esses tenham sido uma invenção humana, nós não os compreendemos por completo. Ainda que mesmo um irracional como a “raiz quadrada de dois” possa caracterizar toda uma classe de classes como as medidas de diagonais de um quadrado, há ainda aspectos que não compreendemos nos números. Por exemplo, o próprio comportamento dos números primos que acarretam questões como a Conjectura de Goldbach.

Entretanto, a proposta de número independe da capacidade ou existência do ser humano – lembremos que quando duas duplas de dinossauros se encontraram próximo a algum vulcão há milhões de anos atrás, não havia ali um humano pra dizer que eram quatro dinossauros e mesmo assim havia quatro deles. Nesse sentido, ainda que não compreendamos os elementos matemáticos por completo, do ponto de vista filosófico, faz todo sentido concordarmos que a Matemática é sim a Linguagem do Universo, pois apresenta um modo racional de concepção do mesmo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] RUSSELL, B. Introdução à Filosofia Matemática. 4 ed. Trad. Giasone Rebuá. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1966.
[2] TARSKI, A. Introducción a la Lógica: y a La metodología de las ciencias deductivas. 4 ed. Madrid: Espasa-Cape, 1985.
[3]  DESCARTES, R. Discurso do Método. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
[4] GARDNER, M. Is Mathematics for Real? In: DAVIS, P.; HERSH, R. The Mathematical Experience. p. 440. Boston: Birkhäuser, 1981.

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