A pequena, mas criativa e instigante, obra de Ronaldo Azeredo (1937/2006), levanta diversas questões. Trata-se de um poeta (talvez fosse mais adequado chamá-lo de criador ou inventor) que nunca fez versos – como esses são convencionalmente definidos e entendidos. Começou direto na poesia concreta e desta evoluiu rapidamente para criações puramente visuais, muitas vezes abolindo a própria palavra, que resultaram, finalmente, em livros-objetos ou apenas objetos (na forma de uma pirâmide, por exemplo). As invencionices de Ronaldo nos provocam. A poesia para ele podia prescindir do verso (ou mesmo da palavra). Trata-se do senti(pensa)mento projetado espacialmente, seja no suporte papel, explorado de várias formas, seja em qualquer outro material ou meio de expressão.
A poética experimental de Ronaldo - longa trajetória que se inicia no minimalismo verbal (“resisto/resto/ro”), passa pelos seus hoje já clássicos poemas visuais (Velocidade talvez seja o mais emblemático deles), chegando até um livro-tátil como Lá bis os dois – ganha agora, merecidamente, este primeiro e pioneiro estudo de âmbito universitário da professora/pesquisadora Marli Siqueira Leite, da Universidade Federal do Espírito Santo. Aqui são analisadas as várias dimensões da obra desse criador único, quase inclassificável, singular e solitário no cenário cultural brasileiro e mesmo internacional (lembre-se que diversos poemas de Ronaldo integram importantes antologias de poesia visual em todo o mundo).
Marli volta-se para uma obra pouco conhecida, que rompe com gêneros e fronteiras e, muitas vezes, é “enigmática”, em sua aparente simplicidade. O que o leitor encontra neste livro é uma dedicada e detalhada análise das diversas fases do trabalho produzido por Ronaldo, apoiada em selecionada bibliografia (inclusive de difícil acesso), sólida pesquisa e contato direto com o próprio poeta, com artistas amigos e familiares. O resultado é uma visão abrangente dessa obra, um esforço de compreensão e penetração na mesma. A autora faz seu percurso com segurança e acrescenta informações e dados esclarecedores relacionados à poética de Ronaldo.
Numa única e raríssima carta que me escreveu, em 1974 (reproduzida na edição especial do Suplemento Literário de Minas Gerais, de 2006, dedicada aos 50 anos da poesia concreta), Ronaldo afirmava: “detesto falar - adoro pensar”.
Seu trabalho é fruto disso: um olhar-pensamento sobre o mundo e a vida, os signos que nos envolvem no dia a dia. De agora em diante para fruir plenamente as invenções de Ronaldo será fundamental percorrer esta análise de sua obra por Marli. Espera-se que ela desperte o interesse e a curiosidade de artistas e estudiosos das artes visuais, hoje disseminadas pela internet. Ronaldo foi, com certeza, um precursor nessa área, com sua sensibilidade e seu rigor construtivo.
Suas explorações poéticas podem (e devem) alimentar novas pesquisas e criações – quem sabe até versões ou releituras no espaço virtual da globosfera.
Carlos Ávila
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