quinta-feira, 23 de abril de 2015

SARAU DO GRAJAÚ: “MELHORAMOS NOSSA POESIA E A POESIA MELHORA A GENTE”

O sarau acontece mensalmente no bar do Havaí, um time de futebol de várzea 
com mais de 30 anos de tradição (Foto: Divulgação/ Sarau do Grajaú)

Por Thiago Borges

Em seus 47 anos de vida, Daniel Alexandrino já morou em 12 endereços diferentes mas fincou raízes no Grajaú, onde está há apenas cinco anos.

“A diferença está no momento de vida em que vim para o Grajaú, com muita carência de tudo”, observa ele, que se mudou para um barraco emprestado por um amigo na região após quase ser despejado de uma kitnet no centro, onde morava. “Aqui, as coisas começaram a acontecer”.

Com a intenção de ficar o tempo necessário para se reerguer, Daniel se surpreendeu com a boa recepção e as amizades que construiu. “O Grajaú é altamente poético, tem sua sensualidade”, conta.

Inebriado por essa “poesia territorial”, desde janeiro de 2014 Daniel Alexandrino e sua companheira, Edilene Santos, organizam o Sarau do Grajaú.

É sobre esse trabalho que vamos falar em mais uma reportagem do “Cultura ao Extremo”, projeto realizado com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem o objetivo de mapear e visibilizar as manifestações culturais no Extremo Sul da cidade.

Daniel Alexandrino nasceu no bairro da Pedreira, zona Sul de São Paulo, e participou de um grupo de teatro durante 14 anos. Se afastou dos palcos, assumiu outras responsabilidades na vida e começou a trabalhar como cinegrafista.

“A vida toma outros rumos, a gente se casa, tem filhos, mas continua com vontade de fazer essas coisas, né?”, diz ele.

Frequentadores da Cooperifa e ajudantes na organização do Sarau da Ademar, Daniel e Edilene queriam fortalecer a cena cultural no bairro que os acolheu.

“A gente já conversava muito com outros poetas, artistas, mas queria conversar também com a população [que não tava tão envolvida nessas ações]”, lembra Daniel.

Durante uma cervejada no bar do Hawaí F.C., um time de futebol de várzea da região com mais de 30 anos de tradição, Daniel fez uma proposta à dona Nilde, proprietária do estabelecimento.

“Disse que queria fazer um sarau ali, e ela abriu um sorriso e perguntou: ‘o que é sarau?’. Pronto, era ali que tinha que acontecer”.

Em meio a boleiros, partidas de dominó e gente cambaleante mas interessada na poesia, em janeiro de 2014 aconteceu o primeiro Sarau do Grajaú com ajuda dos poetas Isaías e Juninho. Hoje, os artistas Daniel Brito, Victor Hugo Santos e os integrantes do grupo OsRetirante completam o grupo.

“Parece que, ao usar ‘Grajaú’ no nome, conseguimos compilar toda a efervescência cultural”, diz Daniel Alexandrino.

De escritores antigos a novatos que descobriram sua veia artística, o encontro que acontece todo último sábado de cada mês abre espaço para fãs interessados em declamar Roberto Carlos a artistas que recitam versos para a mulher amada.

“A gente não tem objetivo de mudar o mundo com o sarau, mas acredito que o sarau tem o poder de mudar a geografia das coisas e fazer uma intervenção na vida das pessoas”, completa.

O primeiro sarau foi feito com microfones emprestados pelo grupo de rap Expresso Perifa e equipamentos de som trazidos do Sarau da Ademar.

Mesmo sem apoio do poder público, o coletivo quer ampliar o projeto com exibição de filmes, realização de debates e estudos, mas esbarra na falta de pessoas para ajudar a organização.

Auto-declarados como um movimento literário de esquerda, Daniel e os companheiros querem politizar e ampliar o acesso do público à informação, à história do bairro e da própria vida para interferir no cotidiano da cidade e do País.

“É importante lembrar que o objetivo do sarau é exercitar a beleza das pessoas. Não vamos matar a fome ou dar casa a ninguém, mas fazer com que olhem uns para dentro dos outros”, ressalta Daniel. “Vamos melhorando nossa poesia e a poesia vai melhorando a gente”.

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