sexta-feira, 15 de agosto de 2014

POETISA VENDE LIVRETOS EM SINAIS DE TRÂNSITO E LOCAIS PÚBLICOS EM VARGINHA

Criadora da página 'Feminismo Poético', Grazi lança coleção de 'cordéis'. 
Com poesias próprias, autora se pauta no feminismo e na marginalidade.

Grazi monta varal de poesias na Estação Cultural de Varginha (MG). (Foto: Samantha Silva/ G1)

Quem circula por Varginha (MG) já deve ter visto a cena: um varal estendido em um local público – que pode ser uma praça, a antiga estação de trem, ou um sinal de trânsito – e vários livretos coloridos pendurados. O estilo ‘literatura de cordel’, cuja data é comemorada anualmente em 1º de agosto, é praticado pela poeta Graziele Eugênio Ladeira, de 28 anos, conhecida como Grazi, pelas ruas da cidade e desde que pediu demissão do emprego, há pouco menos de um mês, ela tenta sobreviver com a venda da própria escrita.

Com a tradição da arte que surge oralmente e depois ganha forma impressa e de maneira artesanal e em seguida exposta e pendurada em varais, com barbantes - daí o nome cordel - os livretos são vendidos a R$ 2 e todo material é feito pela própria autora em papel colorido. Ela mesma seleciona as poesias, cria a arte, corta os papéis, imprime, grampeia e sai às ruas para vendê-los. “Eu estou começando agora, mas estou disposta a encarar a vida com poesia, viver do que escrevo, do que sinto, da minha arte. Vou para o sinal de trânsito, para o calçadão, para os festivais. Onde tiver gente, quero levar cultura e beleza e quem sabe tentar sobreviver disso”, resumiu.

Livretos colocados em varais já foram levados para vários locais (Foto: Samantha Silva/ G1)

Considerada uma das mais ricas manifestações artísticas do Brasil,  o cordel de Grazi já chama a atenção de quem vive na região, como o rapper Rafael Raciocínio Tático, de Três Corações (MG). “Ela tem um trabalho sensacional, que destaca o verdadeiro papel da mulher, mostrando que elas são donas de si mesmas. Vejo as poesias e textos com uma pegada contestadora e firme, que chamaram minha atenção quando acessei a página ‘Feminismo Poético’. As ideias dela são bem parecidas com o que defendo na minha música”, comentou o músico, que conheceu Grazi durante uma edição da Batalha do Corre, em Três Corações.

“Ela trouxe algumas poesias para que distribuíssemos e depois nos encontramos também em Varginha, onde eu pude ver um varal bem grande, com poesias dela em folhas coloridas, o que nos chamou muita atenção. Em seguida, firmamos outras parcerias e seguidos. Desejo que ela tenha sucesso com o próprio trabalho, que incentiva a leitura aqui, ali e acolá, porque a poesia não tem hora e nem lugar”, acrescentou.



Poeta desde sempre

Desde a adolescência que Grazi dedica-se à poesia, que começou com o que chama de ‘poezines’, feitos à mão e trocados por carta. No entanto, ela não se lembra de qual foi a primeira composição literária.

“Escrevo desde pequena e não me lembro como e nem quando comecei. Minha mãe (já falecida), também escrevia antes de ficar doente e na minha memória sempre vem a cena de eu recitando os versinhos na escola”, comentou.

E de lá para cá, a poesia de Grazi amadureceu, mas guarda a essência feminista. “O feminismo é a base da minha escrita, mesmo quando sou romântica, erótica, neurótica, maluca ou sensata. Escrevo para me libertar e para libertar minhas irmãs”.


Poesia marginal na web e nos muros

Não é à toa que ela foi idealizadora de uma página batizada como ‘Feminismo Poético’ em uma rede social, que já tem quase 40 mil curtidas e também aproveita a plataforma para vender o trabalho. E por onde vai, em cidades da região como Três Pontas (MG) e Três Corações (MG), ela não perde tempo: estende os próprios escritos e busca os clientes ávidos por literatura, tratada por ela como “marginal”.

“Eu me sinto totalmente parte da cena marginal contemporânea, sempre me senti. Desde os poezines, passando pelos zines punk que eu produzia, pelos varais e saraus. Eu tenho como base da minha escrita a marginalidade mesmo. É uma cultura que nos chega inteira, que nos chega crua, sem passar pelo triturador da burguesia. Eu sinto e quero que a minha escrita continue à margem do machismo, do racismo, da homofobia, do desamor, para desconstruir, sabe? É isso que minha poesia quer”, disse.

Intensa e com vontade de dizer ao mundo o que pensa e sente, Grazi inova também e faz grafites em diferentes pontos de Varginha para levar a poesia também aos muros. Adepta da cultura hip-hop e também do punk, ela luta pela acessibilidade da literatura, que para a poeta, tem que ser despida de vaidade. “Eu não gosto da literatura burguesa, mastigada, destinada a poucos, sem preço acessível. Já trabalhei em livraria e já vi muita gente lançar livro por status. Isso não me agrada, tanto que sempre assino só ‘grazi’ nos meus poemas, com letra minúscula e sem sobrenome. Quero que as pessoas me leiam e se identifiquem. Quero tocar de alguma maneira e fazer alguma mudança através das minhas palavras e não por status”, destacou.


Sobre a literatura de cordel

Com temática livre, é impossível precisar a origem exata da literatura de cordel. Algumas versões apontam que ela surgiu dos povos bárbaros da Europa, outras dizem que veio da Península Ibérica, trazida ao Brasil pelos portugueses, mas o que se tem certeza é de que ela se difundiu no Nordeste brasileiro e com a efervescência da literatura marginal, alastrou-se por todos estados e regiões.

Alguns destaques podem ser dados a obras como as que versam sobre o cangaceiro Lampião e seu grupo e também a do personagem João Grilo, da obra de Ariano Suassuna, 'O Auto da Compadecida', que ganhou vida através dos versos cordelistas.

Grafites feitos pela poeta nos muros de Varginha são em alusão ao feminismo (Foto: Samantha Silva/ G1)

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