sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

ANA CRISTINA CÉSAR, ‘POETA MARGINAL’ DOS ANOS 70, SERÁ HOMENAGEADA NA FLIP

Admito que não sou um grande conhecedor da obra da (linda) poeta, mas vi aqui uma oportunidade para aprender mais sobre ela.

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Ana Cristina César. / ACERVO IMS

Uma mulher, poetisa e expoente da literatura marginal brasileira nos anos 70, será a homenageada da próxima Festa Literária de Paraty. Ela é Ana Cristina César (1952-1983), carioca que foi ícone literário de sua geração e cuja obra – em poesia, tradução e crítica literária – convida a um resgate que ainda está por acontecer. A escolha da Flip, que após 13 anos de existência põe pela segunda vez uma autora feminina em destaque (a primeira foi em 2005, com Clarice Lispector), endossa os movimentos de mulheres em prol de liberdades individuais e direitos coletivos que ganham, desde outubro, as ruas do país. Por outro lado, põe em foco a Poesia Marginal, movimento do qual fez parte e que eclodiu com a antologia 26 poetas hoje (1975), de Heloísa Buarque de Hollanda.

Paulo Werneck, que é o curador da Flip pelo terceiro ano consecutivo, conta que Ana C. (como os amigos a chamavam), estava na mesa de discussão sobre os homenageados da festa há algum tempo. “Este ano ela se impôs graças à importância de sua obra, mas também pelo fato de a poesia contemporânea funcionar muito bem na Flip”, afirma o curador. Vale lembrar que, na última edição da festa, a jovem poetisa portuguesa Matilde Campilho foi uma das autoras mais celebradas nas mesas literárias e também nas livrarias – seu livro de estreia, Jóquei (editora 34), foi o título mais vendido em Paraty. Dois anos atrás, na edição de 2013, outras duas jovens poetisas, Ana Martins Marques e Bruna Beber, brilharam também – e Rua da padaria (Record), de Beber, foi o título mais vendido daquele ano.

Ainda que um revival de Ana Cristina César já tenha se esboçado em 2013 com a publicação pela Companhia das Letras da antologia Poética, pode-se esperar muito mais a partir de agora. Elizama Almeida, assistente cultural da curadoria de literatura do Instituto Moreira Salles, que detém o acervo da escritora no Rio de Janeiro, comemora: “Ana C. foi incluída no grupo da Poesia Marginal, mas nunca deixou de se destacar dentro dele, com uma voz própria. Há inclusive uma tradição clássica em sua obra, influenciada por Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira", explica a pesquisadora. Entre as influências de fora, aparecem especialmente as inglesas Katherine Mansfield e Sylvia Plath, que ela traduziu ao português.


Não sei como poderei pegar no sono. A literatura me perturba. Uma caixa cheia de cartões-postais me perturba. A renúncia me perturba. Até uma caixa d’água, um otorrino gauche, um índice onomástico. Tomo tudo na veia"
- Ana C. em carta dirigida ao amigo e poeta Armando Freitas Filho


A poesia da carioca é marcada por um tom confessional, direto e de grande coloquialidade. Seus primeiros livros, Cenas de abril e Correspondência completa, foram editados de maneira 100% independente e caseira, pela própria autora e por seus colaboradores e amigos mais próximos, o poeta Armando Freitas Filho e Heloisa Buarque de Hollanda. Em 1982, surge seu primeiro livro lançado por uma editora (a Brasiliense): A teus pés. “Esse foi o primeiro livro da série Cantadas literárias, que tem uma importância enorme por ter lançado não só Ana Cristina, mas escritores como Caio Fernando e Marcelo Rubens Paiva”, diz Paulo Werneck. Para Elizama Almeida, A teus pés amplia o espectro da autora, “porque ela sai do fazer experimental e passa, em um ambiente mais formal, a dialogar com um público mais amplo, que a consagrou”.


Escrever é a parte que chateia, fico com dor nas costas e remorso de vampiro. Vou fazer um curso secreto de artes gráficas. Inventar o livro antes do texto. Inventar o texto para caber no livro. O livro é anterior. O prazer é anterior, boboca"
- Ana C. em carta dirigida a Heloisa Buarque de Hollanda


A morte precoce de Ana C., que se suicidou aos 31 anos, é um tema que permeia as discussões sobre a escritora. Mas tanto o curador como a pesquisadora preferem afastar essa lupa ao analisar seu legado. “A homenagem da Flip tem o objetivo, junto ao público, de ajudar a apresentar um autor  que ainda não se conheça e também desfazer lugares comuns ao redor dele. No caso da Ana Cristina, esse é um aspecto, mesmo evocando uma força e até certo mistério, que limita sua obra”, opina Werneck. Elizama diz que as portas do IMS estão abertas a pesquisadores e interessados no vasto universo da poetisa. E esclarece: “Os momentos mais difíceis na vida dela foram os dois últimos anos antes do suicídio, segundo relatam amigos, e as cartas que ela deixou. Ana era uma pessoa alegre e inteligente, e seria errado que sua morte servisse de chave de leitura principal de sua obra”, diz a especialista, que recomenda o documentário Bruta Aventura em Versos, de Letícia Simões, aos curiosos.


A 14a edição da Flip acontece entre os dias 29 de junho e 3 de julho de 2016. E, no rastro desta homenagem, a poesia marginal deverá impregnar a programação, assim como – espera-se – a voz literária (normalmente silenciada) das mulheres.

Ana C. / INSTITUTO MOREIRA SALLES

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