terça-feira, 11 de novembro de 2014

CASAS CHILENAS REVELAM SEGREDOS E HISTÓRIAS DE PABLO NERUDA

Caso amoroso com Matilde fez Neruda comprar casa em Santiago

O poeta chileno Pablo Neruda disse certa vez que "é tão curto o amor, tão longo o esquecimento". Explorando Isla Negra, sua casa favorita com vista para o Pacífico ao sul de Valparaíso, dá para notar que eisso não foram apenas palavras escritas no papel.

Toda vez que uma pessoa próxima e ele morria, ele entalhava o seu nome em vigas sobre o bar de Isla Negra, como forma de mantê-lo sempre como companheiros de bebida ao longo dos anos. Mais de 40 anos depois da morte do poeta, os 17 nomes que ele escreveu ainda estão lá.

Em 1973, quando morreu, aos 69 anos, Pablo Neruda era um astro internacional. Sua poesia lírica - em livros como Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, Cem Sonetos de Amor e Os Versos do Capitão - lhe renderam um lugar cativo nos corações de sul-americanos e admiradores de todo o mundo.

Sua popularidade é evidente a quem chega ainda hoje ao Chile, desembarcando no aeroporto internacional de Santiago - que muitos querem rebatizar de aeroporto Poeta Pablo Neruda.

A cada ano, milhares de fãs fazem uma espécie de peregrinação ao Chile para visitar as casas onde o poeta viveu, em busca de histórias e segredos.


LA CHASCONA

Em Santiago, no bairro boêmio de Bellavista, Neruda morou em uma casa de dois andares. Quando estava prestes a completar 50 anos, ele teve de lidar com uma situação delicada - manter relações com sua segunda esposa, Delia del Carril, e com a cantora Matilde Urrutia, que foi uma espécie de enfermeira além de amante do poeta.

Bar de La Chascona tem um pouco de cada parte do mundo

Para manter a discrição, Neruda e Urrutia construíram esta casa, onde a cantora morou por dois anos sozinha. Em 1955, Neruda finalmente deixou sua mulher e se mudou. "Era meu destino amar e dizer adeus", ele escreveu em um de seus poemas.

A casa foi batizada pelo artista de "La Chascona", uma palavra quíchua que significa "emaranhada" - uma homenagem ao cabelo ruivo e "selvagem" de Urrutia. O amor pelo mar também salta aos olhos, logo na entrada, onde fica o bar, todo decorado em temas náuticos.

Neruda ficou famoso por ser poeta, mas sua notoriedade também o levou a ocupar cargos diplomáticos em diversas partes do mundo, como Yangun (em Mianmar), Java, Cingapura e Paris. Algumas de suas viagens ainda estão presentes na casa - bonecos de madeira da África, uma mesa de bistrô de Paris, bonecas polonesas e esculturas da Ilha da Páscoa.

O poeta também apreciava pequenas brincadeiras. O saleiro e pimenteiro da casa trazem os rótulos "morfina" e "maconha".

Casa está em estado impecável, mas foi depredada durante a ditadura de Pinochet

A casa está em um estado tão impecável de conservação que é difícil imaginar que ela foi invadida e vandalizada durante o golpe militar de 11 de setembro de 1973. Neruda era aliado próximo do presidente deposto Salvador Allende e comunista assumido - o que o tornou um inimigo mortal dos simpatizantes da ditadura de Augusto Pinochet.

Livros de Neruda foram banidos e quem os portava corria o risco de ser preso. Isso não impediu que, quando o poeta morreu, milhares marchassem pelas ruas de Santiago com seu caixão, em uma procissão que terminou na frente de "La Chascona".


LA SEBASTIANA

Valparaíso é uma colorida cidade portuária espalhada por 21 morros, cada um com sua própria escadaria ou velho elevador. A cidade era uma das paixões do poeta.

Na casa de Valparaíso, Neruda fez homenagens à sua infância

"Se caminhamos escada acima ou abaixo em Valparaíso, podemos dar a volta no mundo", escreveu ele em suas memórias. Ele dizia que nesses morros a "pobreza florescia como manchas selvagens de piche e alegria".

A casa de cinco andares apelidada de La Sebastiana - em referência ao espanhol que a construiu - é cheia de retratos de ValPo (apelido de Valparaíso entre os moradores locais). Neruda comprou a casa em 1959, depois de cansar de Santiago. Ele queria um lugar confortável, barato e autêntico, onde não pudesse ouvir seus vizinhos - longe de todos, mas perto o suficiente do sistema de transporte.

Ele conta, em suas memórias, que redecorou o lugar como uma "casa de brinquedo", com memórias de sua infância.

Vista de Valparaíso da janela de Neruda encanta ainda hoje

"Uma criança que não brinca não é uma criança, mas o homem que não brinca perdeu para sempre a criança que vive dentro dele", escreveu o poeta.

Ele nasceu em Parral, 340 quilômetros ao sul de Santiago, mas passou seus primeiros anos em Temuco, vilarejo pobre no extremo sul chileno. Sua mãe morreu de tuberculose quando ele tinha seis semanas. Seu pai, maquinista, era contra a carreira literária de Pablo.

A casa também tem vários "tesouros" de sua vida adulta: um baú onde guardava seus uísques e uma vaca de cerâmica, que ele usava para servir ponche feito de rum.

A atração principal da casa são as vistas deslumbrantes do Pacífico da janela de todos os quartos. A visão é a mesma descrita pelo poeta: "secreta, sinuosa, curva". A cidade ainda se "chacoalha como uma baleia ferida", com as "vidas excêntricas".

O quarto do poeta, com sua cama, mesa e cadeira, ainda estão lá, com manchas da tinta que usara para escrever.


ISLA NEGRA

Isla Negra não é uma ilha, mas sim uma casa batizada pelo poeta, inspirada em um lugar que ele admirava em Sumatra. A casa fica em um cenário deslumbrante cheio de rochas perto do Pacífico.

Isla Negra foi comprada com o adiantamento recebido para escrever 'Canto General'

Ele comprou o terreno em 1938 depois de voltar de um de seus cargos diplomáticos na Europa. Canto Geral, sua obra clássica sobre a história das Américas, foi escrita aqui. O adiantamento que ganhou para o livro foi usado para comprar o local. Ele demorou sete anos para renovar a casa.

A casa tem um muro onde visitantes deixam recados em grafite ao poeta. Em frente, há um trem estacionado - uma homenagem a seu pai maquinista. Trens sempre foram uma das paixões do poeta.

Corpo do poeta está enterrado perto de Isla Negra, com vista para o Pacífico

A casa dá uma boa visão da personalidade do poeta. No banheiro, há várias fotos de mulheres se despindo. Em sua cama, há um carneiro empalhado. Pela casa, vê-se vários objetos de consumo que não condizem muito com um comunista: espadas, garrafas, máscaras e cachimbos.

Depois do golpe, a casa foi invadida por soldados, e Neruda teria dito a eles: "Olhem ao seu redor, a única coisa perigosa aqui dentro para vocês é a poesia." Eles acabaram não confiscando nada.

Neruda e Urrutia estão enterrados perto de Isla Negra, com vista para o oceano.

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