quinta-feira, 2 de outubro de 2014

AO IG, DOIS PILARES DA LITERATURA MARGINAL NO BRASIL DIZEM COMO COMBATEM VIOLÊNCIA E IGNORÂNCIA COM SARAUS NAS PERIFERIAS


O poeta e escritor Sergio Vaz comemora 15 anos de fundação do Quilombo Cultural Cooperifa, que contamina de poesia o Jardim São Luiz, no Capão Redondo, Zona Sul de São Paulo. Os encontros, sempre às quartas-feiras no bar do Zé Batidão, começaram com 17 pessoas e, atualmente, recebem um público de 300 a 500 pessoas por evento. “O maior orgulho de fazer 15 anos de Cooperifa não é a conquista de novos poetas, mas, sim, de novos leitores”, diz Sergio Vaz ao iG.

Ano após ano, jovens escritores se lançam no mercado a partir dos encontros, como é o caso de Márcio Vidal, que já lançou dois livros, "Receitas Para Amar No Século XXI" e "A Vida Em Três Tempos". "Cheguei ao sarau da Cooperifa em 2004 com meus poemas e o desejo de que alguém pudesse ler as coisas que escrevia. Seis anos depois, terminava a faculdade de Letras e lançava meu primeiro livro. O modo com que a Cooperifa entrou em minha vida fez com que eu pudesse correr atrás dos meus sonhos e isso que tenho buscado fazer: sonhar sem ficar parado", declara Marcio, que atualmente é mestrando em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo – USP.


Dados preocupantes

Desenvolver a habilidade leitora na criança e principalmente no adolescente é um grande desafio entre os objetivos da educação básica. Mais difícil é transformá-los em leitores críticos e convencê-los do prazer da leitura. Se o índice de leitura do brasileiro é de quatro livros por ano, como aponta a última pesquisa do instituto Pró-Livro, quando excluímos as obras indicadas pela escola podemos constatar que o jovem, em média, lê pouco mais de um livro por ano. É menos que na Colômbia, segundo dados do órgão colombiano Cerlalc, que apontam para 2,2, e muito menos que os espanhóis, que leem 10,3 obras no mesmo período.

Para tentar transformar essa realidade, Sergio também trabalha dentro das escolas com seus sete livros publicados, entre eles o "Colecionador de Pedras", que marca uma fase onde a periferia grita “temos muito o que dizer”, “somos poetas”, “somos a poesia". O projeto “Poesia contra violência” surgiu para percorrer as escolas públicas do Brasil levando poesia. “O melhor de ir até a escola é que o publico esta lá, esperando para ser conquistado, temos o retorno imediato e a criação de público esperada e o mais importante, despertamos corações para o fato de que todos podem fazer poesia. É a satisfação de ouvir na rua: Obrigado poeta, por ter ido à minha escola”, lembra Vaz.

“A visita às escolas é o trabalho mais gratificante a meu ver. Quando chegamos lá os alunos pensam: Opa, não vai ter aula! Na cabeça dele, ele não está tendo aula, mas talvez seja a melhor aula que ele vai ter no dia. É subliminar, não podemos rejeitar isso, é maravilhoso! Quando vejo alguém falar mal de professor, não concordo porque ele é reflexo do péssimo sistema de ensino do Estado. Não podemos falar mal do professor e dizer que tudo que está acontecendo é culpa do professor, o fato é que a criança não está sendo educada porque o Estado não quer que eduque. Para dar aula à noite na quebrada tem que ser macho. A gente tem que aprender a bater em quem realmente precisa apanhar”, completa.

Ferréz


Outro expoente do movimento cultural no Capão Redondo é o escritor Ferréz, que publicou seu primeiro livro em 1997, "Fortaleza da Desilusão", e seguiu dois anos depois com "Capão Pecado, história verdadeira da comunidade do Capão Redondo", que o projetou como um dos mais importantes escritores da Literatura periférica ou marginal do país.

Ferréz também criou a marca 1daSul, a antigrife que, além de ser uma marca de roupas e acessórios criada especialmente para os moradores da periferia, promove eventos e ações culturais na região do Capão Redondo, bairro onde mora. Ao perceber a quantidade de crianças que ficavam ociosas pelas ruas do bairro, Ferréz fundou há cinco anos Ong Interferência, que atualmente atende 65 crianças e adolescentes no contraturno escolar com atividades que trabalham a autonomia mirando o protagonismo social. “Vendo tantas crianças na porta dos bares na minha quebrada, sempre tive vontade de mudar o jogo. Hoje, o lugar se chama Interferência, onde cada criança entra, estuda, pinta, sorri, e depois ela mesma limpa para a próxima: é meu maior projeto como ser humano. Quando alguém vem me agradecer por estar fazendo isso, eu sinceramente não entendo, pois sou eu que estou recebendo abraços e sorrisos todos os dias, e isso é o maior pagamento do mundo”, relata Ferréz ao iG, sobre a ação social que desenvolve em sua comunidade.

Exemplo de vitória


Desse trabalho, o escritor viu surgirem novos nomes da cultura local, como Wagnão, que comanda atualmente o Sarau da Brasa, e Akins Kintê, do Sarau Elo da Corrente. “Vou à escola e os alunos querem me ver por carência, escutar uma pessoa que até deu certo na vida, usar a experiência de vida e dizer: 'nós vencemos sem entrar no crime'. Isso, para um moleque de 15 anos, é foda. Às vezes, ele não ouve isso do pai dele, que está trabalhando 24h por dia, chega estressado e ganha mil reais por mês. Não é o exemplo que ele quer ter. Ele quer um exemplo de vitória através da educação, da música, da arte, mas que seja mais longevo que isso, mais longevo que a família", diz.

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