terça-feira, 18 de julho de 2017

A ILUSÃO DA TEORIA DAS MÚLTIPLAS INTELIGÊNCIAS

Por Scott McGreal
Publicado na Psychology Today


Muitas pessoas acham a ideia de que existem diferentes tipos de inteligência algo muito atraente. Howard Gardner depreciou os testes de QI como tendo pouca relevância para a vida real e argumentou que pode haver até oito diferentes tipos de inteligência que se aplicam a diversas áreas do funcionamento humano.¹

As reivindicações de Gardner são muito semelhantes às que são feitas sobre a “inteligência emocional” ser um tipo especial de inteligência distinto do QI, que pode ser ainda mais importante para o sucesso na vida do que o tradicional “inteligência acadêmica”.

Embora as alegações de Gardner tenham se tornado populares entre os educadores, pouca pesquisa foi feita para estabelecer a validade de sua teoria. Os poucos estudos que foram feitos, na verdade, não apoiam a ideia de que existem muitos tipos diferentes de “inteligência” operando separadamente uma da outra.

Embora haja certamente habilidades importantes que não são medidas através de testes de QI, atribuir cada uma como um tipo especial de “inteligência” tem pouco apoio científico e acaba por criar uma confusão desnecessária.


Inteligência Geral x Inteligências Múltiplas

De acordo com pesquisas da inteligência “padrão”, existe uma ampla forma de capacidade mental conhecida como inteligência “geral” que está subjacente a uma ampla gama de habilidades mais estreitas, mais específicas.

Os testes de QI são destinados a fornecer uma medida dessa ampla capacidade geral, bem como algumas das capacidades mais específicas.

Howard Gardner opôs-se à ideia de inteligência geral, argumentando que os testes de QI, na verdade, medem habilidades acadêmicas distintamente estreitas, negando que haja uma única habilidade geral que atravesse vários domínios diferentes.

Em vez disso, ele argumentou que existem domínios separados de certas habilidades que merecem ser chamados de “inteligências” em seu próprio direito, e que a capacidade de um dominar certa habilidade específica não está relacionada com a capacidade medida pelo teste em outras habilidades.

Especificamente, ele argumentou que os testes de QI medem a inteligência nas áreas linguísticas/verbais e lógicas/matemáticas, que acabam por ser valorizadas nas escolas.

Os outros domínios de inteligência, segundo ele, são habilidades musical, corporal-cinestésica (habilidade no uso do corpo para resolver problemas), espacial, interpessoal (compreensão de outras pessoas), intrapessoal (capacidade de compreender a si mesmo e regular a vida de forma eficaz) e naturalista (reconhecer diferentes tipos de plantas e animais em um determinado ambiente).

Ele também considerou, mas rejeitou a existência de mais dois tipos de inteligência: espiritual (compreensão do sagrado) (sic) e existencial (entendendo o seu lugar no universo).

Estes últimos dois estão em critérios bastante dispersos para serem considerados “inteligência”, ou como ele diz “um potencial biológico para processar a informação que pode ser ativado num cenário cultural para resolver problemas ou criar produtos que são de valor em uma cultura”.


Apesar da criatividade, essa teoria tem algum apoio científico?

A ideia de que existem vários tipos independentes de inteligência apela para um “sentimento de igualdade”, porque implica que qualquer um pode ser “inteligente” de alguma forma ou de outra, mesmo se a pessoa não possui um QI alto.

Essa visão igualitária foi expressa em um artigo por Dr. Bernard Luskin. Ele sugeriu que a teoria é aceita pelo movimento de autoestima, porque de acordo com seu ponto de vista ninguém é realmente “mais inteligente” do que ninguém, apenas possuem diferentes tipos de inteligência. Isso tudo soa um pouco distorcido e vago, afinal, consolar as pessoas não é um índice de validade científica.
Seriam todos tão inteligentes quanto Einstein, “à sua própria maneira”?

Dr Luskin afirma que os testes de QI são razoavelmente precisos na previsão de o quão bem uma pessoa realiza determinadas disciplinas escolares, mas eles não medem as “habilidades artísticas, ambientais e emocionais” de uma pessoa.

No entanto, há evidências consideráveis de que os testes de QI avaliam mais do que apenas o desempenho escolar, mas vamos deixar isso de lado. Onde está seu problema aqui é sua afirmação incrível de que “hoje, o conceito de inteligências múltiplas é amplamente reconhecido.”

Ele faz declarações adicionais sobre “o amplo consenso” acerca da teoria das inteligências múltiplas de Gardner, e que é “amplamente aceita”. Contudo, quem reconhece, concorda ou aceita a sua teoria não deixa claro o suficiente.

Na verdade, é justo dizer que entre os estudiosos acadêmicos que estudam sobre a inteligência humana, há pouca aceitação da teoria de Gardner, devido à falta de evidência empírica para isso.

Uma avaliação crítica sobre o tema por Lynn Waterhouse, em 2006, não encontrou estudo algum publicado por aqueles que apoiaram a validade da teoria. Mesmo que Gardner tenha feito a sua teoria em 1983, o primeiro estudo empírico para testá-la não foi publicado até 23 anos mais tarde (Visser, et al., 2006a) – e os resultados não foram favoráveis.

A teoria de inteligências múltiplas dificilmente pode ser descrita como cientificamente generativa.


A Teoria das Inteligências Múltiplas é testável?

Dr Luskin observa que os diferentes tipos de “inteligência” propostos por Gardner são difíceis de medir e de avaliar.

Algumas das inteligências propostas, como interpessoal e intrapessoal, são até mesmo difíceis de definir claramente. O próprio Gardner se recusou a especificar o que ele acha que sejam os componentes das várias inteligências ou como essas podem ser medidas, tendo fornecido apenas descrições nebulosas acerca delas.

Se ninguém está realmente certo sobre o que são essas supostas “inteligências”, realmente fica difícil de avaliá-las, e ainda mais de gerar algum apoio científico.

Isso pode de alguma maneira explicar a escassez de pesquisas empíricas sobre esse tema. No entanto, estou ciente de pelo menos dois estudos que fizeram tentativas preliminares para a criação de definições operacionais dessas inteligências e desenvolvimento de testes para as avaliar.

Como vou mostrar, isso não tem fornecido muito apoio para a teoria de Gardner.


Personalidades inteligentes?


Furnham examinou uma medida de auto-relato de inteligências múltiplas² e seu padrão de correlações com uma medida dos traços do Big Five de personalidade.

Um resultado surpreendente foi que as oito “inteligências” foram altamente relacionadas entre si umas com os outras, ao contrário da teoria de que todas elas supostamente representam domínios separados e não relacionados.

Na verdade, cada uma foi positivamente correlacionada com pelo menos quatro outras, e a inteligência naturalista foi correlacionada com todas as outras sete.

Isso sugere que as pessoas que obtiveram um bom resultado em um domínio também tendem a marcar uma pontuação alta em vários outros. Além disso, havia muitas correlações entre as oito inteligências e as cinco grandes características do Big five: todas as oito inteligências foram correlacionadas com pelo menos uma das categorias do Big Five, que foi correlacionada com dois ou mais pontos de inteligência.

A abertura para a experimentação e a extroversão, em particular, foram correlacionadas com outros cinco tipos de inteligência diferentes.

É claro que as medidas de auto-relato têm as suas limitações, especialmente para medir habilidades.

Por exemplo, a correlação positiva entre extroversão e cinco das “inteligências” pode ser devida ao fato de que as pessoas extrovertidas tendem a ter uma visão altamente positiva de si e, portanto, poderiam pensar que são naturalmente boas em muitas coisas diferentes – embora seja possível que elas realmente sejam tão boas como elas dizem ser, mas isso é difícil de confirmar sem métodos independentes.

Por outro lado, a abertura à experiência é positivamente correlacionada com medidas objetivas de inteligência geral e de conhecimento, de modo que as correlações positivas entre a abertura de experimentação e os cinco tipo de “inteligências” no estudo de Furnham façam sentido.


Separar as habilidades da inteligência geral ou não?

As várias inteligências de Gardner deveriam refletir habilidades específicas, então foi desenvolvido um conjunto de testes de habilidade, dois para cada uma das oito inteligências propostas.

Os autores tentaram avaliar se essas medidas de habilidade eram independentes de alguma medida de inteligência geral.

Gardner argumentou que correlações positivas aparentes entre os testes de diversas habilidades mentais ocorrem porque a maioria desses testes são baseados na linguagem, por isso todos eles envolvem um núcleo comum da inteligência linguística.³

Para superar essa objeção, os autores utilizaram medidas não verbais das inteligências não-linguísticas. Se a teoria de Gardner de que os oito tipos de inteligência são em grande parte independentes um do outro fosse verdade, os resultados obtidos para cada domínio não poderiam ser altamente correlacionados uns com os outros.

No entanto, esse foi o caso. Muitos dos testes, particularmente aqueles que medem alguma forma de capacidade cognitiva, foram altamente correlacionados com algum outro. Além disso, a maioria dos testes de habilidade tiveram correlações positivas com a inteligência geral.

As exceções foram os testes de inteligência musical e corporal-cinestésica, que são habilidades não-cognitivas, e um dos testes de inteligência intrapessoal.

Os autores concluíram que a razão de os testes que envolvem a capacidade cognitiva terem sido positivamente correlacionados com a inteligência geral se dá porque eles compartilham um núcleo comum de capacidade de raciocínio.

Por isso, parece haver uma forma geral de capacidade de raciocínio que é aplicável em uma ampla gama de domínios de habilidade, incluindo linguística, espacial, lógica/matemática, naturalista e, em menor grau, habilidades interpessoais.

Isso contradiz a afirmação de Gardner de que a capacidade de cada um desses domínios seja separada da capacidade nos outros. No entanto, é consistente com a ideia de que uma ampla forma de habilidade mental subjacente de capacidades específicas existe em um maior ou menor grau.

Os autores concluíram que a teoria de Inteligências Múltiplas não parece fornecer qualquer nova informação além da fornecida por medidas mais tradicionais de capacidade mental. Assim, tentar incorporar a teoria de Gardner em contextos educativos parece algo injustificado.


Inteligências ou habilidades?

Esses dois estudos de investigação não suportam as especificidades da teoria das inteligências múltiplas de Gardner. Claro, isso não significa que as habilidades não-cognitivas além de inteligência geral não são importantes.

Há provas abundantes de que as qualidades pessoais, tais como motivação e habilidades sociais, importam muito para o sucesso de qualquer indivíduo em sua vida, e eu não acho que ninguém está realmente dizendo o contrário.

O que é questionável, porém, é descrever algum talento ou habilidade de forma imprecisa, o considerando tão importante como uma “inteligência” distinta.

Nós já usamos a palavra “habilidade” para descrever o quão bem uma pessoa é capaz de aplicar suas habilidades e conhecimentos em uma determinada área da vida. A maioria das pessoas são capazes de desenvolver uma variedade de habilidades diferentes, mas isso não significa necessariamente que elas usam um tipo diferente de “inteligência” para cada uma dessas habilidades – usar o termo dessa forma é simplesmente arbitrário e confuso.

Da mesma forma, a maioria das pessoas reconhecem que podem ser “inteligentes”, no sentido de exercer um bom julgamento e tomar certos tipos de decisões, mesmo se elas não têm um QI particularmente elevado.

Ao mesmo tempo, o QI alto de pessoas pode facilmente levá-las a tomar decisões infelizes, como por exemplo quando as emoções ou o interesse-próprio atrapalham seu raciocínio.

Mais uma vez nós já temos uma palavra para essa capacidade de sabedoria que tenta evitar esses acontecimentos: bom senso. No entanto, eu não acho que muitas pessoas concordam que todos são igualmente sábios.

Talvez haja habilidades especiais que merecem ser chamadas de “inteligências” em seu próprio direito que ainda não foram identificadas. No entanto, não há nenhuma justificação científica para simplesmente inventar tipos especiais de “inteligência” sem provas, apenas para que as pessoas se sintam bem sobre si mesmas.

Concluindo, a teoria das inteligências múltiplas de Gardner parece ser um conjunto confuso e nebuloso de reivindicações que não foram empiricamente validadas. Muitas das propostas “inteligências” de Gardner parecem ser explicáveis em termos de conceitos existentes de personalidade e inteligência geral, já que a teoria em si realmente não oferece nada de novo.

Além disso, algumas das “inteligências” propostas são mal definidas (principalmente a intrapessoal) e outras (por exemplo musical) podem ser mais úteis pensadas como habilidades ou talentos, diferentemente de inteligência.

A popularidade das teorias de Gardner em contextos educativos pode refletir seu apelo sentimental e intuitivo, mas não se baseia em nenhuma evidência científica para a validade do seu conceito.


Notas

[1] Gardner mudou de ideia várias vezes sobre o número exato de inteligências ao longo dos anos, mas por conveniência considero oito neste artigo, já que são as únicas que têm sido pesquisadas.
[2] Esta medida foi originalmente publicada em um livro escrito para um público leigo chamado Qual é o seu QI?, por Nathan Haselbrauer, publicado pela Barnes and Noble Books.
[3] Gardner não está correto. Os testes de QI têm incorporado subtestes não-verbais desde 1930.


Referências Bibliográficas

Furnham, A. (2009). The Validity of a New, Self-report Measure of Multiple Intelligence. Current Psychology, 28(4), 225-239. doi: 10.1007/s12144-009-9064-z
Locke, E. A. (2005). Why emotional intelligence is an invalid concept. Journal of Organizational Behavior, 26(4), 425-431. doi: 10.1002/job.318
Schulte, M. J., Ree, M. J., & Carretta, T. R. (2004). Emotional intelligence: not much more than g and personality. Personality and Individual Differences, 37(5), 1059-1068. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.paid.2003.11.014
Visser, B. A., Ashton, M. C., & Vernon, P. A. (2006a). Beyond g: Putting multiple intelligences theory to the test. Intelligence, 34(5), 487-502. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.intell.2006.02.004
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Waterhouse, L. (2006a). Inadequate Evidence for Multiple Intelligences, Mozart Effect, and Emotional Intelligence Theories. Educational Psychologist, 41(4), 247-255. doi: 10.1207/s15326985ep4104_5
Waterhouse, L. (2006b). Multiple Intelligences, the Mozart Effect, and Emotional Intelligence: A Critical Review. Educational Psychologist, 41(4), 207-225. doi: 10.1207/s15326985ep4104_1

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