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terça-feira, 9 de julho de 2024

ESL DISCUSSIONS - LITERATURA




STUDENT A's QUESTIONS

(1) O que vem à mente quando você ouve a palavra “literatura”?

Livros.


(2) Que tipo de literatura você lê?

Um pouco de tudo. Este ano, especificamente, optei por me “reconectar” com a poesia.


(3) Qual é o seu personagem favorito da literatura?

Harry Potter, talvez, pois foi um dos primeiros personagens que tive contato quando era criança.


(4) Você acha que a literatura de hoje está no mesmo padrão da literatura de cem anos atrás?

Não sei, pois não sou um estudioso no assunto.


(5) Você leu algum livro de ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura?

Sim. Cem Anos de Solidão de Gabriel José García Márquez.


(6) Você gostaria de estudar literatura inglesa?

Gosto de ler, mas meu interesse não chega neste nível.


(7) A literatura do seu país influenciou o mundo?

Penso que sim. Existem diversas pessoas escritoras do Brasil que tiveram um grande impacto no mundo, tanto que suas obras foram traduzidas para diferentes idiomas, como Machado de Assis, Jorge Amado, Clarice Lispector, dentre outras.


(8) Você acha que os compositores deveriam ser elegíveis para o Prêmio Nobel de Literatura?

Não vejo porque não, caso a pessoa possua um conjunto de obras consagradas, como foi o caso do Bob Dylan.


(9) Você gostaria de estudar a história da literatura mundial?

Sim, mas não num nível acadêmico.


(10) Você gosta de literatura clássica?

Sim. Inclusive, tenho preferência por livros consagrados.


STUDENT B's QUESTIONS

(1) O que você acha da literatura moderna?

Por não ser um estudioso das escolas literárias, não tenho uma opinião formada sobre o assunto. Apenas leio o que me parece interessante, independentemente do gênero.


(2) Você gostou de estudar literatura na escola?

Não tanto quanto gosto atualmente. Tenho a impressão de que estudar algo que não é “imposto” parece ser mais prazeroso.


(3) Que imagem você tem das pessoas que estudam literatura na universidade?

Gostam freneticamente de ler.


(4) Em 1857, Gustave Flaubert disse: “Leia para viver”. O que você acha disso?

Talvez que a leitura possa ser tratada como uma forma de escapismo da realidade. Isto é, se não estivermos vivenciando bons momentos no mundo real, podemos nos conectar com o mundo dos livros para tentar suprimir este sofrimento. Além disso, através da leitura, absorvemos o conhecimento fundamental para entendimento do mundo e de nós mesmos. Ler estimula nossa criatividade e intelecto, bem como nos conecta com o passado, nos ajudando a refletir sobre o futuro.


(5) Você gosta de literatura clássica?

Sim. Como mencionei anteriormente, gosto um pouco de tudo. Já li diversas obras clássicas nacionais e internacionais como Hamlet, Os Irmãos Karamazov, Capitães da Areia, Sherlock Holmes, Guia do Mochileiro das Galáxias, Cem Anos de Solidão, Vidas Secas, dentre outras.  


(6) O que você acha da literatura infantil?

Interessante para fomentar o interesse pela leitura nas crianças.


(7) Você tem orgulho da literatura do seu país?

Sim. Através da literatura brasileira afirmarmos a nossa riqueza cultural perante o mundo.


(8) Você está mais interessado na literatura mundial ou apenas na literatura do seu país?

Mundial.


(9) Você acha que todos leremos ou ouviremos e-books no futuro?

Não. Acho que sempre existirão livros físicos. Particularmente, tenho preferência por eles. Opto por ler apenas alguns específicos no formato digital, em meu Kindle.


(10) Que diferentes tipos de literatura existem? A literatura é apenas romances?

Existem diversos gêneros e subgêneros, não se limitando apenas a romances. Por exemplo, temos ficção (científica), conto, fantasia, romance, terror; também não ficção, isto é, biografia, ensaios, técnicos (programação) etc.; bem como poesia, teatro etc.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

“O SOCIALISMO É UMA DOUTRINA TRIUNFANTE”

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a postura socialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores.


Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.


Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?

Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.



O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?

Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.



Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?

Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra. Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.


O que é mais importante ler na literatura brasileira?

Machado de Assis. Ele é um escritor completo.



E de qual o senhor mais gosta?

Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos… Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem: “a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.


Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?

É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.



O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?

Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?


O senhor acha que vai?

Não sei. Eu não tenho nem computador… as pessoas me perguntam: qual é o seu… como chama?


E-mail?

Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas… Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos… que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.


E o que o senhor lê hoje em dia?

Eu releio. História, um pouco de política… mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.


O senhor é socialista?

Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo… tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias… tudo é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.


Por quê?

Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.


O socialismo como luta dos trabalhadores?

O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.



Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?

Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola… não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser… o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.


O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?

O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando… não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão - e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos… então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).



A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?

Conheci em Poços de Caldas… essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.


E o dever da atual geração?

Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.


No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?

Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia… Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria… Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500 dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.



Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, onde foi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa Escorel.

Publicado originalmente na edição 435 do Brasil de Fato.

domingo, 17 de setembro de 2017

TODAY'S FEATURED PICTURE @ WIKIPEDIA - 17/09/17

Act I, Scene I of King Lear, a play by William Shakespeare first performed in 1606, as depicted by Edwin Austin Abbey. Based on the legend of Leir of Britain, it depicts Lear's gradual descent into madness after he disposes of his kingdom to two of his three daughters based on their flattery. This tragedy has frequently been adapted for the stage and motion pictures, with the title role coveted by many of the world's most accomplished actors.

In this scene, Cordelia, the youngest of King Lear's three daughters, is banished for refusing to profess her love in return for one third of the kingdom. Instead, she proclaims that there is nothing to compare her love to, nor words to properly express it.

Painting: Edwin Austin Abbey

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

OS IRMÃOS KARAMÁZOV - FIÓDOR DOSTOIÉVSKI

A bibliografia da faculdade atrasou bastante a minha leitura, mas finalmente terminei de ler Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski.

Antes desta obra, li Cem Anos de Solidão, e continuo achando inconcebível a existência de uma mente com tal genialidade para criar enredos como estes. Não é à toa que tais clássicos ultrapassam gerações, se tornando materiais de estudo e encanto para muita gente.

Ainda não sou bom em escrever resenhas de livros, ainda mais se tratando de uma obra desta magnitude, mas posso afirmar que, dentre os três irmãos, as passagens que mais gostei foram as protagonizadas por Aliêksei, pois, de alguma forma, me identifiquei com o seu jeito de ser.

* * *

"Último romance de Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamázov (1880) representa uma síntese magistral dos vários temas que perseguiram o autor ao longo de sua vida e o ponto culminante de toda a sua obra. Reconhecido como um dos grandes feitos literários de todos os tempos, o livro influenciou pensadores do porte de Nietzsche e Freud - que o considerava "o maior romance já escrito" - e sucessivas gerações de escritores.

Nesta narrativa ao mesmo tempo filosófica e policial, o autor põe em cena uma pluralidade de vozes, convicções existenciais e correntes de pensamento, que tomam corpo sobretudo na conturbada relação entre o devasso e fascinante Fiódor Karamázov e seus três filhos: Dmitri, orgulhoso e apaixonado; Ivan, intelectual atormentado; e Aliócha, "puro" e místico."

- Contracapa do Volume I


"Em Os Irmãos Karamázov, considerado por muitos sua obra-prima, Dostoiévski conduz o leitor em uma viagem pelos recantos sombrios e luminosos da alma humana, com passagens inesquecíveis - como a parábola do Grande Inquisidor e os questionamentos radicais de Ivan Karamázov sobre a moral e o livre-arbítrio - que marcaram não só a literatura, mas a própria história do pensamento ocidental.

"Ninguém é capaz de escapar à sugestão de sua obra; transforma-nos, os leitores, em cidadãos do seu mundo, porque sucumbimos, na realidade também, aos seus problemas. Os Karamázov, esses russos estranhos, são como pessoas da nossa família; conhecemo-los, vivemos os seus destinos. Dostoiévski recriou, em forma fantástica, os problemas mais reais, mais nossos. O mundo dos Karamázov é o nosso próprio mundo." - Otto Maria Carpeaux"

- Contracapa do Volume II

quarta-feira, 19 de julho de 2017

BERTRAND RUSSELL, O MATEMÁTICO QUE GANHOU O PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA

Por Douglas Rodrigues Aguiar de Oliveira

O filósofo e matemático Bertrand Russell. Créditos: BBC.

Bertrand Russell (18 de maio de 1872 – 2 de fevereiro de 1970) poderia ser apenas um matemático brilhante que ganhou um Nobel. Mas era também um filósofo que, por seus escritos, conseguiu o prêmio na categoria de Literatura. O ativista que defendeu os direitos das mulheres, e que perdeu o posto de trabalho por apoiar a liberdade sexual no início do século XX. Ele era um pacifista motivo pelo qual, ao rechaçar a 1ª Guerra Mundial, foi levado à cadeia. Ele se opôs a Hitler, ao stalinismo, a invasão estadunidense ao Vietnã, as bombas nucleares e a segregação racial. Ele fez de sua paz a sua luta. É ele que, três meses antes de sua morte, com 97 anos, apelou ao secretário geral das Nações Unidas para apoiar uma comissão contra os crimes de guerra cometidos pelos americanos no país asiático. Por todas as suas contribuições, Russell é definido como um dos filósofos mais importantes do século XX, mas foi a matemática, segundo as suas próprias palavras, o seu principal interesse e fonte de felicidade.

Para entender a prolífica carreira de Russell deve-se viajar para o seu passado. Pertencente a uma das famílias aristocráticas mais proeminentes da Grã-Bretanha – o seu avô foi duas vezes Primeiro Ministro com a rainha Victoria – ele ficou órfão aos três anos. A educação secular a que tinham sido dirigidos os seus pais, livres pensadores radicais, nada tinha a ver com a que recebeu de sua avó. O estrito e repressivo controle moral o tornou uma criança tímida, retraída e solitária, que acabou sendo resgatada pela geometria. De acordo com a sua própria autobiografia, o seu desejo de saber mais sobre a matemática foi o que o afastou do suicídio. “Aos 11 anos, comecei Euclides, com o meu irmão [sete anos mais velho] como tutor. Foi um dos grandes acontecimentos da minha vida, como o primeiro amor. Eu não poderia imaginar que haveria algo tão delicioso no mundo”, escreveu.

Em sua adolescência, as leituras em matemática avançada o levaram a repensar alguns dos princípios fundamentais da religião cristã. Aos 18 anos, ele já rejeitava a vida após a morte e a existência de Deus: converteu-se em agnóstico, um dos princípios que o definiriam até o fim de sua vida. Nessa idade, Russell entrou no Trinity College de Cambridge para começar os estudos em matemática que complementou, anos depois, com os de filosofia. Embora tenha se graduado com honras em ambas as matérias, ele reconheceu, posteriormente, que aprendeu pouco com os seus professores universitários; não tanto com os seus companheiros, mas que o ajudariam a ser menos solene e a adquirir senso de humor.


A descoberta da lógica-matemática

Com a entrada do novo século, houve um evento chave para a sua história. Russell foi para Paris no segundo congresso internacional de matemática, onde conheceu Giuseppe Peano, referência na lógica simbólica. Fascinado por sua apresentação, Russell devorou todas as publicações do italiano. “Durante anos, eu tenho tratado de analisar as noções fundamentais da matemática, tais como a ordem e os números cardinais. De repente, em poucas semanas, eu descobri o que pareciam ser as respostas definitivas para os problemas que me haviam confundido durante anos. E enquanto eu descobria essas repostas, eu conhecia uma nova técnica matemática, graças ao qual, as regiões anteriormente abandonadas à indefinição dos filósofos, foram conquistadas pela precisão das fórmulas exatas”, escreveu.

Nesse mesmo ano, Russell começou a escrever o ensaio Os Princípios da Matemática, chegando a escrever 200.000 palavras em apenas três meses. Sua publicação, em 1903, foi o prelúdio para o trabalho cúpula que o britânico escreveu junto com o Alfred N. Whitehead: Principia Mathematica. Esses três volumes (publicados entre 1910 e 1913) formam um sistema axiomático em que poderia embasar toda a matemática e com a qual os autores pretendiam explicar como ela é, em um sentido importante, redutível à lógica. Eliminando assim qualquer conexão que se possa crer entre os números e o misticismo.


A missão de criar um mundo mais alegre

Durante o resto de sua vida, Russell seguiu escrevendo numerosos tratados filosóficos e sociais que o levaram a passar seis meses na cadeia, em 1918, por sua campanha anti-guerra – onde escreveu a mão o seu Introdução à Filosofia Matemática. Esse amplo acontecimento foi uma das razões pela qual a Academia Sueca decidiu premiar Russell, em 1950, com o Nobel de Literatura: “Em reconhecimento dos seus variados e significativos escritos em que lutou por ideais humanistas e pela liberdade de pensamento”.

No final de sua autobiografia, Russell reflete sobre a sua vida e conclui que, desde a sua juventude, toda a sua vida “séria” tem sido devido a dois aspectos: “Eu queria, por um lado, descobrir se tudo podia ser conhecido; e, por outro lado, fazer todo o possível para criar um mundo mais feliz”. Os acontecimentos do século XX fizeram diminuir o seu otimismo, mas não o derrotaram: “Eu posso ter pensado que o caminho para fazer um mundo de seres humanos mais livres e felizes era mais curto do que, na realidade, tem mostrado ser. Mas não me equivoquei ao pensar que esse mundo era possível”.

O artigo original foi publicado na Open Mind.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

CEM ANOS DE SOLIDÃO - GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

Essa leitura foi para fechar o ano com chave de ouro. Que desfecho!

Não sei porque, mas, muitas vezes, me fez lembrar de Incidente em Antares, do Erico Verissimo.

* * *

O colombiano Gabriel García Márquez (1928-2014) foi o último grande contador de histórias do século XX - e, até prova em contrário, da própria literatura ocidental. Depois de cem anos marcados por revoluções literárias radicais, não eixa de ser surpreendente que ele tenha conquistado tamanha notoriedade - nem o Nobel lhe faltou; ganhou-o em 1982 - enquanto tentava apenas imitar o tom com que sua avó materna lhe contava episódios os mais fantásticos: sem alterar um só traço do rosto.

Em nenhum outro livro García Márquez empenhou-se tanto para alcançar aquele tom como neste romance. Assim, ao mesmo tempo em que a incrível e triste história dos Buendía pode ser entendida como uma autêntica enciclopédia do imaginário, ela é narrada de modo a parecer que tudo faz parte da mais banal das realidades.

Seria ingênuo procurar uma chave que explicasse toda a grandeza deste livro diante do qual o repertório de adjetivos torna-se espantosamente ineficaz. Porém, é razoável atribuir parte do êxito àquela contaminação, pelo real, do universo maravilhoso da fictícia Macondo. Aqui pesou muito a experiência jornalística de García Márquez. E também a sombra do tcheco Franz Kafka (foi depois de ler a primeira frase de ‘A metamorfose’ que García Márquez decidiu que seria escritor).

Mas, para além desses artifícios técnicos e influências literárias, é preciso que se diga que a atordoante sensação de realidade que transborda do livro deve-se ainda ao fato de que ele foi escrito, segundo o autor, para ‘dar uma saída às experiências que de algum modo me afetaram durante a infância’. Tome-se, por exemplo, a primeira frase de cem anos. Quando o escritor era pequeno, seu avô, coronel Márquez, o apresentou mesmo, maravilhado, ao gelo, tal como José Arcádio Buendía fez com o filho Aureliano. Do mesmo modo que José Arcádio, o avô de García Márquez também carregava, na vigília dos sonhos, o peso de um morto - o homem que havia assassinado. O coronel era marido de Tranquilina, aquela avó que encheu os primeiros anos e o resto da vida do neto Gabriel de histórias bem contadas.

García Márquez costuma dizer que todo grande escritor está sempre escrevendo o mesmo livro. ‘E qual seria o seu?’, perguntaram-lhe. ‘O livro da solidão’, foi a resposta. Apesar disso, ele não considerava cem anos sua melhor obra (gostava demais de ‘O outono do patriarca’, no qual o tema também está presente). O que importa? O certo é que nenhum outro romance resume tão completamente o formidável talento deste contador de histórias de solitários - que se espalham e se espalharão por muito mais de cem anos pelas Macondos de todo o mundo.

- Rinaldo Gama


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

10 RAZÕES PARA AMAR O CRISTO DE SARAMAGO (AINDA QUE VOCÊ NÃO SEJA CRISTÃO)

Tem um livrinho clássico de Miguel de Unamuno, São Manuel Bueno, Mártir, que conta a história do padre de uma cidadezinha no interior da Espanha que esconde um terrível segredo. O segredo de Dom Manuel, admirado por todos os moradores graças a sua bondade, generosidade e pelas palavras que apaziguam corações, é que ele não tem fé. Imaginem: um padre que não crê. E a maior prova de fé do padre sem fé é levar o consolo da religião aos demais, sendo que ele mesmo não o possui.

“Eu estou aqui para fazer viver as almas dos meus paroquianos, para fazê-los felizes, para que sonhem ser imortais e não para matá-los. (…) Com a verdade, com a minha verdade, não viveriam. Que vivam. E isto faz a igreja, fazê-los viver. Religião verdadeira? Todas as religiões são verdadeiras enquanto forma de fazer viver espiritualmente aos povos que as professam, enquanto lhes consolam de haver tido que nascer para morrer, e para cada povo a religião mais verdadeira é a sua. E a minha? A minha é consolar-me em consolar os outros, ainda que o consolo que lhes dou não seja o meu”, diz Dom Manuel no livro, ao revelar o segredo a seu “confessor”.

Vejo esta “fé dos que não têm fé” muito presente no livro O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago. Ateu, Saramago criou um Cristo maravilhosamente falível, capaz de revigorar a fé de muitos. Na época em que foi lançado, em 1991, o livro sofreu ataques da igreja católica, porque Saramago ousou mexer com os dogmas do cristianismo. O então sub-secretário de Estado da Cultura português, Antonio Sousa Lara, chegou a vetar o romance em uma lista de indicações literárias sob o argumento de que ofendia a “moral cristã”. Quando Saramago morreu, em 2010, o jornal do Vaticano o chamou de “ideólogo antirreligioso, um homem e um intelectual que não admitia metafísica alguma”.

Leram muito mal o romance, porque não há nada mais cristão do que este evangelho de um ateu: é o retrato de um Jesus Cristo humano, demasiado humano, consciente da grandeza de sua tarefa e aterrorizado por ela. Não era esta a intenção de Deus ao mandar seu filho à Terra, que ele fosse o mais próximo possível de seus semelhantes, em vez do Cristo “divino”, milagreiro e marqueteiro de si mesmo que surge nos evangelhos?

De certa forma, o escritor português melhorou o Jesus do Novo Testamento ao desnudar a complexidade (e a crueldade) do papel que lhe cabia na história. Quem lê a obra de José Saramago não sai menos cristão e sim mais solidário a Jesus. Não dá para entender como puderam ficar contra um livro que é impregnado do mais puro, verdadeiro cristianismo. Desconfio que Saramago era como o Dom Manuel de Unamuno, só que ao contrário. Sua assumida falta de fé ocultava uma fé profunda –na humanidade.

Veja abaixo 10 razões para amar o Cristo de Saramago (ainda que você seja ateu).

1. Maria, como toda mãe, não é virgem: Jesus é gerado não pela visita de um anjo, mas pela conjunção carnal entre Maria e seu marido José. A semente de Deus está misturada à de José. “Deus, que está em toda a parte, estava ali, mas, sendo aquilo que é, um puro espírito, não podia ver como a pele de um tocava a pele do outro, como a carne dele penetrou a carne dela, criadas uma e outra para isso mesmo, e, provavelmente, já nem lá se encontraria quando a semente sagrada de José se derramou no sagrado interior de Maria, sagrados ambos por serem a fonte e a taça da vida, em verdade há coisas que o próprio Deus não entende, embora as tivesse criado”.

2. Jesus nasce da mesma maneira que todo mundo: “O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo do sangue de sua mãe, viscoso de suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.”

3. Os “reis” magos trazem presentes úteis: os três “reis magos” são, na verdade, pastores, e, em vez de trazerem ouro, incenso e mirra, presentes absolutamente inúteis naquela situação, trazem leite, queijo e pão.

4. José e Jesus têm uma relação pai-filho: ao contrário dos relatos do Novo Testamento, que praticamente ignoram a existência de relação entre Jesus e seu pai terreno, o carpinteiro José, o evangelho de Saramago mostra que eles tinham uma proximidade especial e se irmanam na morte, crucificados injustamente ambos aos 33 anos.

5. Jesus é moreno: no Novo Testamento não há alusão à aparência de Jesus, o que favoreceu a imagem europeizada que se fez dele, louro de olhos azuis, pouco condizente com a aparência de um palestino. “Os cabelos são pretos como os do pai e da mãe, as íris já vão perdendo aquele tom branquiço a que chamamos cor de leite não o sendo, tomam o seu próprio natural, o da herança genética direta, um castanho muito escuro.”

6. O demônio não é tão feio quanto pintam: o “pastor” do romance de Saramago é um dos “reis” que visitam Jesus ainda na manjedoura e lhe leva o pão. Sua função não é representar o mal e sim a consciência sobre os sofrimentos que viverão Jesus e seus seguidores em nome de Deus. Quando Jesus o encontra no deserto, não é para “tentá-lo” e sim para ensinar a ele sobre a vida. O demônio é uma espécie de preceptor para um jovem sem experiência, o alter ego do próprio Deus. “Também se aprende com o diabo”, diz Jesus.

7. Jesus conhece o amor de uma mulher: o filho do Homem, como muitos homens no passado, se inicia sexualmente com uma prostituta, Maria Madalena, Maria de Magdala. “Nesse instante soube o que em verdade queriam dizer aquelas palavras do rei Salomão, As curvas dos teus quadris são como jóias, o teu umbigo é uma taça arredondada, cheia de vinho perfumado, o teu ventre é um monte de trigo cercado de lírios, os teus seios são como dois filhinhos gêmeos de uma gazela, mas soube-o ainda melhor, e definitivamente, quando Maria se deitou ao lado dele, e, tomando-lhe as mãos, puxando-as para si, as fez passar, lentamente, por todo o seu corpo, os cabelos e o rosto, o pescoço, os ombros, os seios, que docemente comprimiu, o ventre, o umbigo, o púbis, onde se demorou, a enredar e a desenredar os dedos, o redondo das coxas macias, e, enquanto isto fazia, ia dizendo em voz baixa, quase num sussurro, Aprende, aprende o meu corpo.”

8. Jesus tem noção que é um sacrifício o que Deus lhe destina: ao encontrar Deus no deserto, Ele não diz que Jesus é seu filho, e sim que lhe dará glória e poder em troca de sua vida. Quem diz a Jesus que Deus é seu pai é o diabo. É só ao se aproximar a hora da crucificação que Jesus é informado do tamanho sacrifício que fará para alargar a influência no mundo de um Pai vaidoso, que desejava ser admirado por muito mais gente. “E qual foi o papel que me destinaste no teu plano”, pergunta Jesus a Deus. “O de mártir, meu filho, o de vítima, que é o que de melhor há para fazer espalhar uma crença e afervorar uma fé.”

9. Jesus tem dúvidas: ao ser informado de seu sacrifício por Deus, Jesus se comporta como qualquer ser humano naquela situação e pensa em desistir. “Rompo o contrato, desligo-me de ti, quero viver como um homem qualquer”, ele diz a Deus, mas este faz troça: “Palavras inúteis, meu filho”. O raciocínio divino é que, sendo ele um deus, não acreditariam em sua palavras; na de um homem, sim. Daí o envio do filho à Terra. “Serás a colher que eu mergulharei na humanidade para a retirar cheia dos homens que acreditarão no deus novo em que me vou tornar.”

10. Jesus se apieda dos que morrerão em seu nome: Jesus questiona Deus sobre o futuro da humanidade após sua morte, se serão mais felizes, e o Pai responde que, pelo contrário, muitos morrerão por conta desta fé, a começar por seus melhores amigos. “Será uma história interminável de ferro e de sangue, de fogo e de cinzas, um mar infinito de sofrimento e de lágrimas”, diz o Todo Poderoso, desfiando os horrores das perseguições aos cristãos e das mortes na Inquisição, a marteladas, queimados vivos, decapitados, crucificados, empalados. Tudo em nome de Deus. “Jesus compreendeu que viera trazido ao engano como se leva o cordeiro ao sacrifício, que a sua vida fora traçada para morrer assim desde o princípio dos princípios, e, subindo-lhe à lembrança o rio de sangue e de sofrimento que do seu lado irá nascer e alagar toda a terra, clamou para o céu aberto onde Deus sorria, Homens, perdoai-lhe, porque ele não sabe o que fez.”

(José Saramago em Lanzarote. Foto: João Francisco Vilhena)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

AS 24 PESSOAS MAIS INTELIGENTES DO MUNDO


Fazer uma lista das pessoas mais inteligentes do mundo não é fácil, visto que a inteligência pode ser medida de muitas maneiras diferentes. Alguns acreditam em testes de QI, outros pensam que é preciso levar em conta a inteligência emocional, e há ainda o fator “realizações” – ser inteligente não é o mesmo que usar essa inteligência para criar algo que avance de alguma forma a humanidade.

Aliás, muitas pessoas inteligentes não alcançam seu potencial. Também é verdade que preconceitos e falta de oportunidades certamente já impediram mentes brilhantes de serem reconhecidas.

Abaixo, o portal Big Think usou todos os critérios à sua disposição para reunir 24 seres humanos incríveis que merecem nossos aplausos. Vale lembrar que, mesmo que o teste de QI só tenha sido desenvolvido no início de 1900, estudos subsequentes estimaram o QI de gênios do passado. Qualquer número acima de 140 é considerado geralmente do nível genial.


24. William Siddis (1898-1944)


William Siddis foi uma criança prodígio americana, cujo QI era declaradamente entre 250 e 300, talvez o mais elevado da história. Ele tinha habilidades excepcionais em matemática, entrou na Universidade de Harvard com apenas 11 anos, e afirmou saber 40 línguas. Um professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts previu que ele se tornaria o maior matemático do século 20. No entanto, quando adulto, William realizou apenas trabalhos braçais e se meteu em vários problemas com a lei, nunca vivendo de acordo com as expectativas que haviam para ele.


23. Judit Polgar (1976 -)


Judit Polgar é uma grande mestra de xadrez húngara, amplamente considerada a mais forte jogadora de xadrez de todos os tempos. Ela quebrou o recorde mundial do campeão Bobby Fischer para se tornar um grande mestre aos 15 anos. Seu QI é registrado como 170.


22. Philip Emeagwali (1954 -)


Emeagwali é um inventor e cientista da Nigéria, supostamente com um QI de 190, votado como o “maior cientista africano de todos os tempos”. Embora esta afirmação seja controversa, o seu trabalho com matemática é muitas vezes creditado como fundamental para a criação da internet.


21. Terence Tao (1975 -)



Tao é um chinês nascido na Austrália e uma ex-criança prodígio cujo QI varia de 220 a 230, um dos mais altos já registrados. Atualmente, ele é professor de matemática na Universidade da Califórnia em Los Angeles.


20. Cleópatra (68-30 aC)


Cleópatra foi o último faraó do Egito ptolemaico (ou a última rainha do Egito), governando o país por quase trinta anos. Ela era fluente em cinco idiomas e tinha um QI de cerca de 180.


19. Srinivasa Ramanujan (1887-1920)


Ramanujan foi um matemático indiano que fez grandes contribuições em áreas como teoria dos números, frações contínuas e séries infinitas, apesar de não ter qualquer educação formal em matemática. Seu QI foi estimado em 185.


18. Garry Kasparov (1963 -)


Kasparov, armênio-judeu, é considerado por muitos como o maior jogador de xadrez de todos os tempos, com um QI na casa dos 190. Ele foi o jogador número um de xadrez do mundo por quase duas décadas, ganhando o campeonato mundial quando tinha apenas 22 anos.


17. Aryabhata (476-55)


Aryabhata foi provavelmente o mais antigo matemático e astrônomo indiano. Ele é conhecido por aproximar o valor de pi e desenvolver o conhecimento e uso do zero.


16. Voltaire (1694-1778)


Voltaire foi uma das principais figuras do Iluminismo francês. Com um QI de 190 a 200, ele foi um escritor notoriamente espirituoso, historiador e filósofo. “Voltaire” era na verdade seu pseudônimo: ele nasceu com o nome de François-Marie Arouet.


15. Hipátia (350/70-415)


Hipátia foi uma astrônoma, filósofa e matemática grega, que viveu no Egito e mais tarde no Império Romano do Oriente. Ela foi a primeira mulher matemática de que temos conhecimento, com um QI estimado de 170 a 190. Ela foi acusada de bruxaria e brutalmente assassinada por um grupo de cristãos fanáticos.


14. Johann Goethe (1749-1832)


Goethe foi um polímata alemão, com realizações notáveis em ciência e considerado um dos maiores talentos da literatura ocidental, escrevendo o clássico “Fausto”. Seu QI projetado era de 213.


13. Avicenna (980-1037)


Polímata persa, Avicenna é considerado um dos pensadores mais importantes da Idade de Ouro islâmica. Ele escreveu sobre filosofia, medicina, astronomia, alquimia, lógica, matemática, física, psicologia e outras disciplinas. É particularmente conhecido por seu trabalho sobre filosofia aristotélica e seus livros de medicina que se tornaram padrão nas universidades medievais.


12. Galileu Galilei (1564-1642)


Galileu foi um dos maiores heróis científicos de todos os tempos, fazendo contribuições significativas em uma variedade de áreas, da astronomia à física, matemática e filosofia. Defensor do heliocentrismo, a descoberta do italiano de que a Terra girava em torno do sol o fez ser considerado um herege pela Inquisição romana. Sua QI era provavelmente de 180 a 200.


11. Gottfried Leibniz (1646-1716)


Leibniz é mais um polímata alemão desta lista. Ele foi um filósofo e matemático mais conhecido por ter inventado o cálculo. Em filosofia, é mais conhecida a sua conclusão de que vivemos no melhor universo possível que Deus poderia ter criado. Estimativas para o QI de Leibniz variam entre 182 e 205.


10. Nikola Tesla (1856-1943)


Tesla foi um inventor e futurista nascido sérvio, conhecido por trabalhos como eletricidade de corrente alternada, bobina de Tesla, transmissão sem fio de energia, “raio da morte”, bem como por prever tecnologias como smartphone, drones e outras. Seu QI estimado é de 195.


9. Satyendra Nath Bose (1894-1974)


Bose foi um físico bengali indiano, cujo trabalho brilhante sobre a mecânica quântica ao lado de Albert Einstein resultou na estatística de Bose-Einstein. Bósons, uma classe de partículas, são nomeados em sua homenagem.


8. Marie Curie (1867-1934)


Curie foi uma física e química polonesa. Ela foi a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel. Na verdade, o venceu duas vezes. Também desenvolveu a teoria da radioatividade (cunhando o termo) e descobriu dois elementos (polônio e rádio). Seu QI foi estimado em 180 a 200.


7. Confúcio (551-479 aC)


Confúcio foi um filósofo e professor chinês muito influente, famoso por seus aforismos. Seus ensinamentos morais e políticos tiveram um profundo impacto em toda a Ásia Oriental. Alguns estudiosos recentes têm argumentado que muito do que sabemos sobre Confúcio é mito.


6. Albert Einstein (1879-1955)


Einstein foi um físico teórico alemão-judeu e provavelmente o mais famoso cientista que já viveu. Ele desenvolveu a teoria geral da relatividade, recebeu o Prêmio Nobel de Física em 1921 e teve um impacto revolucionário em seu campo. Seu QI foi estimado entre 160 e 190.


5. William Shakespeare (1564-1616)


Shakespeare é amplamente visto como o maior escritor do idioma Inglês e um dos dramaturgos mais populares e conceituados do mundo. Com um QI de aproximadamente 210, Shakespeare escreveu peças clássicas até hoje reproduzidas, como “Romeu e Julieta”, “Hamlet” e “Macbeth”.


4 e 3. Platão (427-347 aC) e Aristóteles (384-322 aC)


Platão e Aristóteles foram filósofos gregos, que também tiveram uma influência científica importante na Idade Média. Platão foi uma figura fundamental da ciência, matemática e filosofia ocidentais, escrevendo uma série de obras famosas como “República”. Aristóteles foi um aluno de Platão, sendo parte de Academia de Platão (ou Academia de Atenas) por mais de 20 anos. Aristóteles teve uma grande influência sobre o desenvolvimento da filosofia e ciência ocidentais, escrevendo sobre física, biologia, metafísica, lógica, teatro, estética e outras disciplinas. O QI dos pensadores gregos foi projetado entre 180 e 190.


2. Sir Isaac Newton (1642-1726)


Newton foi um físico e matemático inglês, mais famoso por descobrir a gravidade. Um dos cientistas mais influentes de todos os tempos, Newton tinha um QI estimado de 193. O seu livro “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural” é um dos textos fundamentais da mecânica clássica e influenciou o pensamento científico por mais de 300 anos.


1. Leonardo da Vinci (1452-1519)


Da Vinci foi um homem do Renascimento italiano, que se destacou em uma variedade de campos, da ciência à pintura às suas invenções malucas. Sua obra de arte “Mona Lisa” é indiscutivelmente a mais famosa do mundo. O QI desse gênio com talentos diversos foi estimado em torno de 200.