É incontestável que em muitas áreas do conhecimento (como a medicina), para que uma pessoa possa exercer sua profissão é imprescindível que ela tenha uma educação formal. No entanto, concordo com o trecho do texto que diz: "O conhecimento, muito além do mero valor simbólico que possui o diploma,
deve ser reconhecido pelo seu potencial de repercussão benéfica, em
prol da sociedade e não como um banal instrumento de exclusão e/ou
distinção social". Neste caso, resta saber se tal pessoa escolheu trilhar por este caminho em prol da sociedade ou por uma questão de status. Enfim, quem sou eu para fazer algum julgamento...
Me defino como um grande apreciador das diversas áreas do conhecimento, estudando um pouco de tudo. No entanto, em relação à educação formal, decidi focar minha atenção no campo da Tecnologia. Apesar de não ter concluído o curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas que iniciei na FATEC, por descobrir em mim potencial criativo (que me fez trilhar por caminhos alternativos), decidi iniciar uma nova jornada nesta área cursando Ciência da Computação na Universidade Federal do Ceará.
Meu intuito não é me tornar uma máquina de programar em alguma companhia de desenvolvimento de software (como um Charles Chaplin da programação, vide Tempos Modernos), muito pelo contrário, é utilizar toda minha criatividade e conhecimento com a finalidade de criar ferramentas (softwares, aplicativos e afins) que auxiliem as pessoas em determinada atividade, sempre em prol da coletividade.
E, independentemente se eu faça isso sozinho ou em companhia de pessoas que compartilhem destas ideias, preciso absorver o máximo de conhecimento lógico-matemático possível (para suprir o meu déficit), bem como me inteirar e refletir sobre as carências que assolam a sociedade. Já listei várias ideias, mas preciso aprender a tirá-las do papel.
No futuro, se eu tiver um diploma (mestrado, doutorado) ou não, isto será indiferente, pois utiliz(ar)ei o conhecimento que adquiri, seja no ambiente acadêmico ou de forma autodidata, para fazer a diferença no mundo de uma forma positiva.
Tal (ou tais) projeto(s), juntamente com minha arte, seria(m) o meu legado existencial. E isso já me deixa bastante satisfeito.
* * *
O uso indevido do diploma por mentes vazias que apenas cursaram o período de formação obrigatório, quiçá com média mínima para aprovação, apenas contribui para a perpetuação de um analfabetismo crônico de “pessoas estudadas”. E este paroxismo é mais corriqueiro do que se pode imaginar
Ele se havia habituado a ver no doutor nacional o marquês ou o barão de sua terra natal. Cada terra tem a sua nobreza; lá, é visconde; aqui, é doutor, bacharel ou dentista; e julgou muito aceitável comprar a satisfação de enobrecer a filha com umas meias dúzias de contos de réis. (LIMA BARRETO, Afonso H. In: Triste fim de Policarpo Quaresma).
Lima Barreto soube expressar-se com assaz erudição, especialmente por meio da sátira literária. E não por acaso a complexa questão relacionada à “como medir o conhecimento humano”, especialmente quando nos referimos à capacitação profissional, recai ainda hoje em um polêmico debate; em um inóspito território incógnito. A resposta tida como válida, e em voga, é a utilização do diploma – enquanto medida de nível de escolaridade ou formação profissional. Entretanto, a dúvida permanece quanto à dúbia distinção entre a formação e/ou nível de escolaridade e o real grau de saber/conhecimento que determinada pessoa possui. Ou melhor, atesta possuir…
Em uma sociedade como a brasileira, cujos níveis de renda e educação (que possuem forte correlação), são ainda baixos – cuja gênese encontra-se na formação social e histórica do país – é comum ouvir-se frases prontas como, por exemplo, “fulano (a) é estudado” ou então “ele (a) tem estudo”. Essa conotação assume uma nítida relação de causa-efeito, no sentido de que se esta pessoa possui um diploma que ateste determinado grau de escolaridade ou formação profissional, tanto mais se esta for historicamente reconhecida (direito, medicina, engenharias), tal pessoa possuiria status social e também saber/conhecimento na sua área – e, possivelmente, em outras. Será?
Em outros termos: se eu possuo um diploma, logo, sou portador de conhecimento/status social (ainda que o primeiro seja obrigatório e o segundo opcional, pois há quem opte apenas pela distinção social). Por mais repulsivo que isto possa ser, é, mesmo assim, um reducionismo míope comungado por muitos. E é com veemência que questiona-se isto. Ademais, os leigos não têm culpa de não compreenderem esta trivial fatalidade (ou seria um funesto e execrável problema?), mas aqueles que se dizem “portadores de algum saber” possuem uma necessária responsabilidade, especialmente em relação àqueles que não o possuem. Trata-se da humildade inerente à verdadeira posse de conhecimento, assim como à sua propagação.
Como disse outrora C. Drummond de Andrade, “as academias coroam com igual zelo o talento e a ausência dele”. Tanto é que, infelizmente, em alguns pontos a lógica financeira/empresarial não se distingue muito da universitária (isto sem considerar os cursos que, por serem técnicos, são ainda mais práticos). Considerar uma pessoa como inteligente, intelectual, culta ou como merecedora de determinado status social, com base em meros diplomas, de fato, não se sustenta. O Brasil demonstrou um avanço quantitativo significativo nesta área, pois realmente há mais brasileiros já formados (ou em formação) no Ensino Superior do que havia no último decênio. Entretanto, ainda que consideremos a eficácia de algumas políticas públicas na área, estamos trabalhando com o quantitativo e não com a qualidade desta formação.
Obviamente que alguns reflexos não são imediatamente perceptíveis. A mudança deste novo perfil social tende a manifestar-se amiúde nas próximas gerações, uma vez que mudanças socioculturais são medidas em décadas, não apenas em anos. Mas, em termos atuais, já podemos afirmar que o status utilizado por determinadas pessoas, com base em seu diploma ou área de formação, não mais sustenta-se. E, se caso ainda ecoa, somente o faz por meio de juízos de valor lacônicos, néscios jargões, como os anteriormente mencionados. Inclusive, esta realidade é magistralmente exposta nos clássicos da literatura, bem como por meio da sociologia.
Certamente as estatísticas não comportam dados subjetivos sobre a qualidade dos que saíram das universidades, mas apenas o quantitativo. Para todo efeito, computemos e somemos à discussão, também, o ensino fundamental e médio, além das capacitações técnicas e especializações. Os resultados tendem a serem impactantes… Os reflexos sociais contidos no ato de portar um diploma possuem um valor de distinção infinitamente maior para os que não o possuem do para aqueles que já os tenham. Deveras, há muito analfabeto político “às soltas” na sociedade que são portadores dos mais variados títulos e diplomas… Além do mais, só o diploma em si, sem o subjetivo suporte sociocultural e econômico, possui seu efeito drasticamente reduzido, como bem ressaltou Bourdieu.
Para o eminente filósofo Michel Foucault, o diploma atesta apenas um “valor mercantil do saber”, dentro da mais pura lógica capitalista de produção. Aliás, esta é a mesma lógica responsável pelo seguinte axioma: “quem estuda, o faz para trabalhar”. Não há lugar para quem não trabalha; logo, que não produz. Mas há um forte estímulo para a formação do que Dostoiévski chamou de “homens socialmente nulos”. A necessidade de status social manifestada por algumas pessoas encontra refúgio em artifícios como o diploma. E, junto deste, outros estão correlacionados, quais sejam: linguagem técnica, estética visual, frivolidades sociais, etc., todos como forma de distinções sociais, como bem atestado por Bourdieu.
Esta busca insaciável (ganância) pelo reconhecimento e destaque social começa no momento da formatura. É ali que os primeiros jargões, néscios e frívolos, nascem; agora “com o diploma em mãos”, também faz-se necessário um estetoscópio; uma Têmis de bronze ou uma Minerva de mármore… Pronto! Assim está construído um estereótipo que, em alguns casos, é cômico. O exemplo fica por conta de alguns cartões, placas e contatos distribuídos ao público, os quais atestam um pronome profissional que vale mais do que o próprio nome: foi-se o barão, veio o coronel; foi-se este, veio o doutor – só não veio foi o doutorado… Façamos uma ode à Lima Barreto, quando disse que nem sempre os mais bem vestidos entram nas melhores casas… Ah! O genial Lima Barreto!
O que incomoda algumas classes (e pessoas em particular) é o fato de que a República (uma sedutora dama!), não concede mais os tão cobiçados títulos nobiliárquicos d’outrora. Isto faz com que muitas pessoas, e até mesmo segmentos profissionais inteiros, apeguem-se ao diploma – mais como forma de status social do que como formação útil para o progresso educacional e sociocultural da sociedade brasileira. É neste sorvedouro que nascem os repulsivos e finórios “pseudo-doutores” sem doutorado – que, por sua vez, são sustentados por uma ingênua e carente parcela da população (sem diplomas) que os reconhecem como doutores ad hoc.
O conhecimento, muito além do mero valor simbólico que possui o diploma, deve ser reconhecido pelo seu potencial de repercussão benéfica, em prol da sociedade e não como um banal instrumento de exclusão e/ou distinção social. O conhecimento desconstrói esta realidade. O uso indevido do diploma, por mentes vazias que apenas cursaram o período de formação obrigatório (ritos de passagem), quiçá com média mínima para aprovação, apenas contribui para a perpetuação de um analfabetismo crônico de “pessoas estudadas”. E este paroxismo é mais corriqueiro do que se pode imaginar.
Questionamos hoje o seu uso indevido; não apenas a suposta medida de saber profissional que muitos alegam-se detentores, unicamente pelo seu porte. Não, realmente intelectualidade e conhecimento não cabem em um diploma; e nem este comporta o saber de uma pessoa. Se assim fosse, o que diríamos dos imortais da Humanidade, uma vez que muitos destes não chegaram a portar um diploma e, no caso daqueles que o fizeram, foram muito além deste mero simbolismo?
*Marconi Severo é Cientista Social & Político e colaborou para Pragmatismo Político