sábado, 27 de janeiro de 2018

FILOSOFIA É MERA QUESTÃO DE OPINIÃO?

"O oposto da opinião é precisamente a verdade, e diante da verdade empalidece a opinião." - Hegel



Seria a filosofia uma mera questão de opinião?

De fato há bastante opinião dentro da filosofia. Filósofos não são máquinas que medem a verdade cirurgicamente, como se suas análises não fossem apenas profundas, mas repletas de precisão. Filósofos são humanos, com a diferença de que escolheram pensar mais a fundo sobre algum assunto. E por serem humanos, eles também erram, emitem opiniões, dizem coisas por achismo e às vezes sem fundamento. Só que não é disso que se trata este vídeo.

Dizer que fazer filosofia não é uma questão de simplesmente dar opiniões mais ou menos formuladas sobre assuntos filosóficos, é dizer que a mera opinião não basta quando o assunto é filosófico.

A razão de defender isso é bem simples: é um dever fundamental pra qualquer um que goste da filosofia combater o preconceito quanto à atividade filosófica.

E um dos principais preconceitos é quanto à utilidade da filosofia.

Se você for perguntar qual a utilidade da filosofia pra qualquer pessoa na rua, é bem provável que digam não saber ou então que “é pra fazer pensar”. Mas embora faça parte, pensar não é algo exclusivo da atividade filosófica.

Você pode pensar na engenharia, na matemática, nas escolhas do dia a dia… você pensa até quando formula uma opinião. A relação que o pensamento tem com a filosofia vai além do simples pensar, pois filosofar é colocar esse pensamento em direção a algo. E esse algo é a Verdade.

Hegel, um dos mais relevantes filósofos da história, critica a ideia de que a história da filosofia seria como uma “galeria de opiniões”, pois se as coisas fossem assim a história da filosofia não passaria de um objeto de curiosidade fútil e erudita. Consequentemente, a própria filosofia seria considerada como inútil.

Hegel fala que uma opinião é uma representação subjetiva, algo que você pode ter de um modo e eu de outro; enquanto isso, a filosofia seria a ciência objetiva da verdade. É conhecer por conceitos, e não opinar nem deduzir uma opinião de outra. Como ele diz:

“O oposto da opinião é precisamente a verdade, e diante da verdade empalidece a opinião.”


E a bem da verdade essa não é uma ideia moderna. Os antigos, lá com Platão, já faziam a distinção entre opinião (doxa) e ciência (episteme). Como já mostrei no meu vídeo sobre o paradoxo de fermi, foi só com a queda do período medieval e ascensão da modernidade que a filosofia começou a se distanciar da ciência, ambas buscando a verdade em seus respectivos campos de conhecimento porém reconhecendo que isso não ocorreria pela mera opinião, pela simples doxa.

Uma opinião é uma crença. Dizer que, por exemplo, “minha opinião é que vai chover amanhã” é o mesmo que dizer que “eu acredito que vá chover amanhã”. E no geral essas opiniões são praticamente sinônimo de opiniões não-fundamentadas, crenças não amparadas pela razão ou por evidências.

“Existe diferença entre a convicção baseada em estados subjetivos — isto é, sentimentos, aspirações, intuições etc. — e a convicção que brota do pensamento e da compreensão do conceito e da natureza do objeto. No primeiro caso, a convicção não passa de mera opinião. — Hegel”

E essa discussão é importante porque ela não apenas desfaz o mito de que a filosofia não seria uma investigação comprometida com a verdade. Essa discussão potencializa coisas mais propriamente filosóficas, como a discussão sobre relativismo.

É que a ideia de que perspectivas filosóficas sejam apenas opiniões acaba fundamentando a noção de que, justamente por serem apenas opiniões, nenhuma opinião seria melhor que a outra.

Mas você não pode simplesmente dizer que uma opinião é tão boa e válida quanto a outra sem ao menos tentar fundamentar isso. Ao menos se você quiser fazer filosofia, você terá de mostrar por que sua posição é plausível. Filosofia requer rigor, e se você não oferece rigor ao dar uma opinião [o que faria essa opinião já não ser mera opinião], você está longe de fazer filosofia.

Para filosofar, é preciso sempre distinguir o que é uma opinião do que é um argumento. Se eu digo que andar de bicicleta é melhor que andar de carro, isso é apenas uma opinião. Mas se eu digo que andar de bicicleta é melhor que andar de carro porque se faz exercícios, se diminui a emissão de poluentes, se desafoga o trânsito e por aí vai, isso deixou de ser uma opinião para ser um argumento.

A prática filosófica envolve buscar razões e argumentar em defesa de seu ponto de vista. E isso é especialmente relevante porque, se alguém discorda de uma posição fundamentada pela razão, essa pessoa precisa fornecer argumentos para defender seu ponto de vista, ou pra atacar a ideia de que bicicletas são melhores do que carros, por ex. — do contrário, não haverá motivos para aceitar sua opinião a respeito daquela posição criticada. Não basta discordar, é preciso dizer por que você discorda.

Outra questão é que, se pudéssemos nos satisfazer com meras opiniões, qual seria o motivo de haver profissões?

Pense comigo: por que alguém com câncer perguntaria sobre complicações a um médico, e não a uma criança de 10 anos, já que toda opinião é igualmente válida? O mesmo se aplica a filósofos. Por que alguém pergunta a um estudioso da ética qual a melhor maneira de agir em sociedade, ao invés de perguntar a um maquinista de trem?

Todos reconhecemos que há valores diferentes para diferentes profissões, dependendo daquilo que a gente busca. Por que com opiniões seria diferente?

No livro Teeteto, um dos famosos diálogos de Platão, temos a menção de um dos maiores sofistas da Grécia Antiga, Protágoras, famoso por cunhar a célebre frase que deu o primeiro passo em direção ao antropocentrismo: “o homem é a medida de todas as coisas”.

Protágoras defendia que toda opinião é verdadeira e que a verdade dependia da experiência pessoal. Mas se isso é verdade, então é verdade que as opiniões contrárias às do Protágoras são verdadeiras também. E por isso mesmo dificilmente alguém afirmará que Protágoras era um filósofo (ou ao menos um bom filósofo).

A filosofia, enquanto ciência da busca pela verdade em sua mais aproximada acepção, não pode estar fundamentada em opiniões, mesmo porque opiniões fundamentadas já deixam de ser opiniões para serem algo a mais.

E se toda opinião é igualmente boa, e não há opiniões melhores que outras para se aproximar da verdade, então a opinião de que nem toda opinião é igualmente boa é tão boa quanto a opinião de que toda opinião é igualmente boa. E por mais que tenha ficado confuso, isso é uma contradição evidente.

Como diria Aristóteles com seu princípio da não-contradição, uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto. Logo, aceitar que toda opinião é igualmente válida é aceitar que você está errado não apenas na prática, como também errado logicamente.

“Tendo sido crianças, antes de sermos homens, não tivemos outro remédio senão ouvir e acreditar naquilo que nos diziam, e considerá-lo verdadeiro. Se, logo de início, tivéssemos a possibilidade de usar a nossa razão em toda sua força, talvez não fosse necessário fazer filosofia, isto é, começar por fazer uma limpeza geral no nosso espírito, e pormo-nos a duvidar do valor das nossas opiniões.” – Descartes


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