sábado, 18 de agosto de 2018

LIBERTAÇÃO ANIMAL - PETER SINGER

“Talvez isto esteja fora de moda, mas acredito muito no uso da razão e da argumentação. E acho que a própria existência do movimento (de libertação animal) nos dá motivo para encarar com otimismo a possibilidade de as pessoas serem movidas por argumentos lógicos. Ou seja, não precisamos ser totalmente céticos e pensar que tudo só funciona pelo interesse próprio ou pela emoção. [...] Trata-se de um movimento em que os filósofos desempenham papel fundamental, argumentando com as pessoas, atacando suas premissas, apresentando indícios para provar uma tese. E isso influenciou milhões de pessoas.” (Chicago Tribune. 26, mar. 1990)

“O princípio da igualdade dos seres humanos não é a descrição de uma suposta igualdade de fato existente entre seres humanos: é a prescrição de como devemos tratar os seres humanos.”

“... a luta para acabar com o especismo nos laboratórios está fadada a ser longa e difícil. Qual é a melhor maneira de avançar? Não parece provável que alguma grande democracia ocidental vá abolir toda a experimentação em animais de um só golpe. Os governos não funcionam assim. O método cessará apenas quando uma série de pequenas reformas tiver reduzido sua importância, levado à sua substituição em muitos campos e mudado a atitude pública com relação aos animais. A tarefa imediata, então, é trabalhar para atingir estes objetivos parciais, que podem ser vistos como marcos na longa marcha para a eliminação de toda a exploração dos seres sencientes. Todos os que se preocupam em pôr fim ao sofrimento dos animais podem tentar tornar conhecido, em sua comunidade, o que ocorre em universidades e laboratórios comerciais. Consumidores podem recusar-se a comprar produtos que tenham sido testados em animais - sobretudo cosméticos, para os quais existem alternativas disponíveis. Estudantes devem recusar-se a realizar experimentos que considerem antiéticos. Qualquer pessoa pode estudar as revistas acadêmicas para descobrir onde estão sendo feitos experimentos dolorosos e, então, descobrir alguma maneira de fazer o público saber o que está se passando.”

“Matar um animal é, em si, uma ato perturbador. Diz-se que, se tivéssemos de fazê-lo para obter carne, todos seríamos vegetarianos. Muito poucos visitam os abatedouros, e os documentários das operações ali realizados não dão audiência na TV. As pessoas podem desejar que a carne que consomem venha de um animal morto de modo indolor, mas não querem realmente saber o que acontece. Contudo, aqueles que exigem a morte dos animais apenas porque desejam comprar sua carne não merecem ser protegidos desse ou de outros aspectos da produção da mercadoria que adquirem.”

“Os que lucram com a exploração de grande número de animais não precisam de nossa aprovação. Precisam do nosso dinheiro. A compra dos corpos dos animais que criam é o principal apoio que os criadores pedem ao público (o outro, em muitos países, são os altos subsídios do governo). Eles utilizarão métodos intensivos desde que consigam vender o que produzem mediante a utilização desses métodos; terão os recursos necessários para combater reformas no campo político e poderão defender-se contra as críticas, respondendo que simplesmente oferecem o que o público quer.

Daí a necessidade de cada um de nós pararmos de comprar produtos provenientes das fazendas modernas - mesmo que não estejamos convencidos de que não seria errado comer animais que tenham vivido de maneira agradável e morrido sem dor. O vegetarianismo é uma forma de boicote. Para a maioria dos vegetarianos, o boicote é permanente, pois, a partir do momento que rompem com o hábito de comer carne, não aprovam mais o assassinato de animais para satisfazer o desejo de seu paladar. Mas a obrigação moral de boicotar a carne oferecida nos açougues e supermercados, hoje, é igualmente inevitável para os que desaprovam apenas que se inflija sofrimento, e não se opõem a morte. Enquanto não começarmos a boicotar a carne e os demais produtos oriundos de fazendas de pecuária industrial, estaremos, cada um de nós, contribuindo para a continuidade, a prosperidade e o aumento dessas fazendas, e de todas as práticas cruéis utilizadas na criação de animais com fins alimentares.

É nesse ponto que as consequências do especismo entram diretamente na nossa vida, e somos forçados a dar uma prova pessoal de sinceridade de nossa preocupação com os animais não humanos. Aqui, temos uma oportunidade de agir em vez de apenas falar e desejar que os políticos façam alguma coisa.”

“... o objetivo do boicote não é alterar o passado, mas impedir que as condições a que nos opomos continuem.”

“Cada animal precisa comer para crescer, para chegar ao tamanho e ao peso em que é considerado apto para a venda a seres humanos. Se um bezerro, digamos, pastasse em um campo inculto, onde crescesse apenas capim e no qual não se pudesse plantar nem milho, nem outra cultura que fornecesse alimentos aos humanos, o resultado seria um ganho líquido de proteína para os seres humanos. Isso porque o bezerro, depois de crescido, forneceria proteínas que não podemos - ainda - extrair economicamente do capim. Mas, se levássemos o mesmo bezerro para um curral de engorda, ou a qualquer outro sistema de confinamento, o quadro mudaria, pois o filhote precisaria ser alimentado. Por menor que fosse o espaço onde ele e seus companheiros estivessem apinhados, a terra precisaria ser usada para o cultivo de milho, sorgo, soja ou o que quer que o bezerro coma. Ora, assim estaríamos alimentando o animal com alimentos que poderíamos ingerir.”

“O vegetarianismo tradicional inclui produtos de origem animal, como ovos e leite. Por isso, alguns acusam os vegetarianos de incoerência. Como as palavras “vegetariano” e “vegetal” têm a mesma raiz, essas pessoas dizem que devemos ingerir apenas alimentos de origem vegetal. Essa crítica é historicamente imprecisa. O termo “vegetariano” passou ao uso comum depois da criação da Sociedade Vegetariana, na Inglaterra de 1847. Como as regras dessa sociedade permitiam, e permitem, o uso de ovos e leite, o termo “vegetariano” passou a ser aplicado aos que utilizam esses produtos de origem animal. Reconhecendo esse fait accompli linguístico, os que não comem carne, nem ovos, nem leite e seus derivados denominam-se “veganos”. Esse aspecto, no entanto, não é importante. O que devemos perguntar é se o uso desses produtos se justifica, do ponto de vista moral. Essa pergunta procede porque é possível estar adequadamente nutrido sem consumir alimentos de origem animal - um fato que não é amplamente conhecido, embora a maioria das pessoas já saiba que os vegetarianos podem ter vidas longas e saudáveis.”

“Acostumar-se a refeições sem carne pode levar tempo. Mas, quando isso acontece, a pessoa terá tantos pratos novos e interessantes à disposição que perguntará por que, um dia, achou difícil passar sem alimentos de origem animal.”

“... os que alegam preocupação com o bem-estar dos seres humanos e com a preservação do meio ambiente deveriam tornar-se vegetarianos simplesmente por esse motivo. Estariam, assim, aumentando a quantidade de grãos disponíveis para alimentar pessoas em todas as partes, reduzindo a poluição, economizando água, energia e deixando de contribuir para a derrubada das florestas. Além disso, como uma dieta vegetariana é menos dispendiosa do que a baseada em pratos preparados com carne, teriam mais dinheiro para gastar com o alívio da fome, o controle populacional ou qualquer outra causa social ou política que acreditassem urgente. Não questiono a sinceridade dos vegetarianos que têm pouco interesse pelo movimento pela libertação animal porque dão prioridade a outras causas. Mas, quando não vegetarianos afirmam que os “problemas humanos vêm em primeiro lugar”, não posso deixar de me perguntar o que é, exatamente, que estão fazendo pelos seres humanos que os compele a continuar apoiando a exploração perdulária e cruel dos animais de criação.”

“As concepções que temos acerca da natureza dos animais e o raciocínio falho sobre as implicações que se seguem à nossa concepção de natureza também concorrem no sentido de apoiar atitudes especistas. Gostamos de nos considerar menos selvagens do que os outros animais. Dizer que pessoas são "humanas” é afirmar que são bondosas; dizer que são “bestiais”, “brutais” ou simplesmente que se comportam “como animais” é sugerir que são cruéis e más. Raramente paramos para considerar que o animal que mata praticamente sem motivo para fazê-lo é humano. Consideremos que leões e lobos são selvagens porque eles matam; mas, se não matarem, passam fome. Seres humanos matam outros animais por esporte, para satisfazer sua curiosidade, embelezar o corpo e satisfazer o paladar. Seres humanos também matam membros da própria espécie por ganância ou poder. Além disso, seres humanos não se satisfazem apenas em matar. Ao longo da história, mostraram a tendência de atormentar e torturar seus semelhantes e os não humanos antes de matá-lo. Nenhum outro animal faz isso.”

“O fato de que outros animais, que poderiam viver com uma dieta vegetariana, às vezes matem por comida não serve de apoio para a alegação de que é moralmente defensável que façamos o mesmo. É estranho como os seres humanos, que se consideram muito superiores a outros animais, recorram, quando se trata de legitimar suas preferências alimentares, a um argumento que implica olhar para os animais a fim de encontrar inspiração e orientação moral. A questão, claro, é que os não humanos são incapazes de avaliar as alternativas, ou de refletir moralmente sobre a correção ou a incorreção de matar para comer. Podemos lamentar que o mundo seja assim, mas não faz sentido responsabilizar ou culpar os animais por isso.”

“Não obstante, o movimento pela libertação animal vai exigir mais altruísmo, da parte dos seres humanos, do que qualquer outro movimento. Os animais são incapazes de exigir a própria libertação, ou de protestar contra as condições que lhes são impostas, com votos, manifestações ou boicotes. Os humanos têm o poder de continuar a oprimir outras espécies para sempre, ou até tornar este planeta inadequado aos seres vivos. Nossa tirania continuará a provar que a moralidade de nada vale quando se choca com o interesse pessoal, como sempre afirmaram os mais cínicos poetas e filósofos? Ou nos ergueremos ante o desafio e provaremos nossa capacidade de altruísmo, pondo fim à cruel exploração das espécies sob nosso poder porque sejamos forçados a isso por rebeldes ou terroristas, mas porque reconhecemos que nossa posição é moralmente indefensável?

A maneira como responderemos a essa pergunta depende da maneira como cada um de nós, individualmente, a responde.”


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