Créditos: Tjeerd Royaards
Historicamente, sempre existiu tensão entre ciência e religião. Os avanços científicos problematizaram a questão do dogma religioso, criando conflitos, algo mais obviamente demonstrado no tratamento de Galileu pela Igreja Católica no século XVII. Um estudo publicado por dois psicólogos turcos argumenta que a ciência, enquanto autoridade secular, pode levar a uma maior sensibilidade moral.
Inúmeros estudos na psicologia demonstram que uma inclinação para o pensamento científico/analítico geralmente leva a um declínio da fé e crença religiosa. Por outro lado, também foi demonstrado que os símbolos religiosos incentivam as pessoas a serem pro-sociais e, consequentemente, mais moralmente sensíveis. Como tal, muitos defendem que a relação causal entre o pensamento religioso, científico e moral significa que o crescimento histórico da ciência nas sociedades secularizadas é responsável pelo declínio dos valores morais. Como era de suspeitar, essa alegação é falsa. Basta olhar para o direito, para o conceito de justiça e ética nas sociedades mais antigas
Um novo estudo, conduzido por Onurcan Yilmaz e Hasan G. Bahçekapili da Universidade Dogus em Istambul e publicado na revista online PlosOne, baseado em pesquisas anteriores, mostraram que a relação entre religião, ciência e a moral é, de fato, muito mais complexa do que tradicionalmente se pensava. O estudo anterior descobriu que um jogo de linguagem com palavras religiosas ou relacionadas à ciência antes da participação em testes envolvendo dilemas morais levou os participantes a demonstrar um aumento do comportamento pro-social. Como tal, os resultados sugeriram que, “pelo menos nas sociedades modernas, as instituições seculares ultrapassaram as instituições religiosas em sua capacidade de promover a socialização e a vida em harmonia, enquanto sociedade moral”.
Yilmaz e Bahçekapili procuraram testar as causas dessa conexão entre raciocínio científico e moralidade. Três testes diferentes foram realizados com estudantes da universidade turca, que envolveu a criação de palavras científicas, religiosas ou “neutras” através de jogos de linguagem antes dos participantes responderem a uma questão presente em um dilema moral. Os resultados do primeiro teste mostraram que a iniciação não teve efeito na resposta ao problema descrito, embora os psicólogos sugerem que isso pode ser devido ao cenário ser extremo (um caso de violação de data) o que criou um “efeito de teto”.
O próximo teste seguiu o mesmo procedimento, mas utilizando cenários menos extremos, porém moralmente mais ambíguos – um deles, envolvendo duas pessoas atrasadas para uma reunião que acidentalmente passam em cima de um gato e optam por não ficar e ajudar o animal, e outro envolvendo uma pessoa que encontra um amigo com um bilhete de loteria e trapaceia-o para ficar com o prêmio (o amigo não sabe que o bilhete é um bilhete vencedor). Os resultados mostraram que, no primeiro cenário, tanto o jogo com temas científicos, como com temática religiosa, afetaram a sensibilidade moral dos participantes. A sugestão é que pensar em temas científicos pode ser tão influente em nossas decisões morais quanto pensar em temas religiosos.
Finalmente, Yilmaz e Bahçekapil procuraram determinar se a ciência impulsiona a sensibilidade moral ao ativar o pensamento analítico ou a ideia de autoridade secular. “Para esse teste, a seção preliminar foi projetada primeiramente com temas associados à autoridade secular (por exemplo, tribunal, polícia) ou pensamento analítico (por exemplo, lógica, razão). Os resultados proporcionaram um padrão claro, com os sujeitos do grupo de “autoridade secular” demonstrando uma maior sensibilidade moral. “Esses resultados sugerem que a ativação decorrente de temática científica exerce um efeito estimulante sobre a sensibilidade moral, não pela ativação do pensamento analítico, mas pela ativação da ideia secular”.
Os resultados das pesquisas são de grande interesse para a área de história, antropologia e psicologia, mostrando que o secularismo atualmente é capaz de reforçar a sensibilidade moral tanto quanto, ou mais, que a religião. Uma das principais transições marcantes da era moderna, particularmente no Ocidente, tem sido o declínio da religiosidade, tanto nas instituições políticas como individualmente. O estudo de Yilmaz e Bahçekapil fornece um quadro para explicar como o desenvolvimento científico e o declínio da religião não coincidiram com uma diminuição dramática na moralidade, como é dito pelo senso comum, mas pelo contrário.
Referência:
Yilmaz, Onurcan, and Hasan G. Bahçekapili. “When science replaces religion: Science as a secular authority bolsters moral sensitivity.” PloS one 10.9 (2015): e0137499.
Nenhum comentário:
Postar um comentário